Luna Vitrolira (nome artístico de Gabriele Lira), é poeta, cantora, compositora, assim como é atriz, palestrante. Nascida em Recife, capital de Pernambuco, cresceu na cidade de Paulista, onde começou a escrever poesia aos 15 anos. Luna lançou seu primeiro livro, “Aquenda – o amor às vezes é isso” (2018), que foi finalista do Prêmio Jabuti.

Ela agora lança seu segundo livro “Memórias têm Águas Espessas” que narra a busca sobre sua ancestralidade. Luna Vitrolira concedeu uma entrevista exclusiva ao GeekPop News, onde fala sobre o livro e sobre seus planos. Confira nossa conversa:

Primeiramente, você pode se apresentar para os nossos leitores?

Eu sou Luna Vitrolira, cantora, poeta, performer, compositora, pesquisadora, palestrante e Mestra em Teoria da Literatura, com ênfase em oralidade e poética das vozes. Comecei minha trajetória na literatura aos 15 anos e hoje sou autora de dois livros publicados: “Memória tem Águas Espessas”, que está sendo lançado, e o Livro “Aquenda – o amor às vezes é isso”, finalista do Prêmio Jabuti 2019, que se transformou em projeto transmídia, com o qual estreei na literatura, na música e no cinema, com livro, disco e filme, homônimos. 

Também sou idealizadora do projeto “Mulheres de Repente”, através do qual apresento a Mesa de Glosas do sertão do Pajeú – PE, modalidade de poesia de improviso metrificada. Fui jurada de dois grandes prêmios de literatura, o Prêmio Oceanos (2022, 2023 e 2024) e o Prêmio Jabuti, na categoria poesia (2023).

Também atuo como facilitadora, entusiasta e colaboradora de planos, projetos e programas que têm como meta construir políticas de equidade de gênero e combate ao racismo. Com foco em diversidade e inclusão e em programas de formação e acolhimento, voltados para as juventudes das periferias, em comunidades, escolas e colônias penitenciárias.

De onde veio a inspiração para o nome Luna Vitrolira?

O nome que me foi dado pela minha mãe é Gabrielle Vitoria de Lira, mas eu me dei Luna Vitrolira de presente. É uma persona minha. Desde pequena, eu tenho paixão pela lua. Lembro de ficar madrugadas acordadas, olhando para o céu e encantada com o mistério da vida. Admirada com a luz da lua e com a beleza do universo. Era nesse momento, depois que todo mundo ia dormir, que eu pegava o meu caderninho e começava a escrever.

Como Gabrielle, eu era uma criança muito tímida. Sentia que precisava de um nome que me desse coragem para realizar meus sonhos. Foi quando li o livro “Luna Clara e Apolo 11”, da Adriana Falcão, que escolhi esse nome, porque também me identifiquei com a personagem. Sobre o Vitrolira, agora, sabendo o meu nome, fica mais fácil, né!? Eu juntei Vitoria com lira e antecipei a letra “r”. Aí deu no que deu: esse quase trava-língua.

Agora vamos falar sobre o livro! Qual foi a inspiração para “Memórias têm Águas Espessas”?

Capa do livro "Memória tem Águas Espessas".
Crédito: Editora Diadorim


Ao perder a relação de proximidade com os parentes e ter consciência sobre o impacto da ausência da paternidade, senti o peso do abandono, comecei a perceber que me doía muito não ter família, no sentido convencional. O que me levou a rever o entendimento do que isso significa para mim. Busquei saber sobre a minha origem para conhecer mais sobre mim e as histórias que atravessam a minha existência.

Durante o processo, entendi que eu não sou a única sem passado. A história do Brasil é a história de um país invadido, violentamente. Nesse processo, nossos familiares foram sequestrados, traficados, vendidos e, consequentemente, dispersados. Perdemos proximidade, contato.

Dessa forma, nossa história foi se perdendo, sendo apagada, silenciada, a ponto de hoje não conseguirmos reconstruir nossa árvore genealógica. A minha história para nos meus avós. Antes deles, não sei de mais nada. Isso para mim é muito doloroso. Então, resolvi fazer o caminho de volta para investigar o meu passado ancestral.

Desde quando você pesquisa sobre a sua ancestralidade?

Infelizmente, sinto que a minha busca começou muito tardiamente. Demorei para me entender como mulher negra e demorei também a admitir que sentia o peso da ausência do amor pelos parentes na minha vida. Foi durante a pandemia que, junto com minha mãe e irmã, fomos visitar parte da família na Zona da Mata, quando eu comecei a me movimentar, a partir da necessidade de busca pela cura.

O que você descobriu sobre o passado da sua família? Sem spoiler para quem não leu o livro, é claro!

O processo de escrita começou de fato logo após eu, minha mãe e minha irmã termos decidido visitar a cidade de Tracunhaém, na zona da mata onde mora parte da família materna. Lugar em que minha mãe viveu muitas aventuras na infância e adolescência nas casas de engenho. Ela estava há mais de 40 anos sem ver os familiares e eu, além de não conhecer ninguém, também não conhecia a cidade.

Nesse processo fui descobrindo coisas, soube que minha avó foi entregue para um casal de italianos e por isso foi a única que saiu do canavial e teve uma vida diferente no Recife, trabalhando como feirante. Descobri que minha família tem um maracatu que é o mais premiado do Estado, o “Pavão Dourado”. Encontrei objetos, como a caixa de fotos que menciono no livro. Essas fotografias me conduziram no processo de escrita. Não faço ideia de quem são, mas sempre que sentava para escrever, eu pegava a caixa, acendia uma vela, ficava olhando os rostos e evocava aquelas pessoas. Era o meu ritual.

Você encontrou outras pessoas que também buscam pelo passado?

Várias pessoas têm se identificado e se emocionado com o MAE (abreviação do nome do livro), porque, como disse anteriormente, o nosso desconhecimento sobre quem somos, nossa origem e família tem a ver com a própria história de invasão e escravização no Brasil. Nos perdemos, porque sofremos com o apagamento quase total de nossa memória, cultura, tradição, genealogia. 

Estamos vivendo um momento em que muito se fala sobre ancestralidade, mas percebo que o debate e a compreensão sobre o que de fato isso significa ainda está no início. Eu também sofri o abandono da paternidade, algo muito comum também no Brasil, e isso dificulta bastante o processo, porque tem informações que eu não tenho como acessar. Essa história não é só minha, pertence a milhares de pessoas que sofreram os impactos da colonização.

Qual a principal mensagem que você quer passar com o livro?

Não existe presente ou futuro sem o passado. Precisamos saber a nossa história para conhecermos quem somos ou deveremos ser, como uma forma de nos curarmos, mas também como uma forma de libertar nossos ancestrais.

    Quais são seus planos? Você está trabalhando em algum novo projeto?

    Estou focada no lançamento desse meu novo livro, mas em breve lançarei o disco spoken word, baseado com alguns poemas do MAE. Também lançarei meu trabalho de pesquisa sobre Mesa de Glosas, que virá junto com documentário sobre a atuação das mulheres do sertão do Pajeú nessa modalidade de poesia improvisada.

    Para finalizar, você pode enviar uma mensagem para os nossos leitores?

    Libertem seus ancestrais!

    Muito obrigada pela entrevista Luna Vitrolira!