Obra mostra como patriarcado e a violência de gênero apaga mulheres

A autora Vitória Gomes lança o livro “Por que nos querem esquecidas? Patrimônios, matrimônios e a descolonização da memória”, pela editora da Universidade Estadual do Ceará. A obra é resultado da tese de doutorado da autora, com atualizações de pesquisas feitas nos últimos três anos, e mergulha nas relações entre gênero, memória e colonialidade. Além disso, propõe reflexão urgente sobre como as estruturas de poder têm perpetuado esquecimentos sistemáticos das mulheres, especialmente negras, indígenas, periféricas, LGBTQIA+  e com deficiências.

Dessa forma, a história surgiu de uma inquietação pessoal da autora, ao estudar a etimologia da palavra “patrimônio” – que, da sociedade romana antiga, remete ao “pater famílias”, aquilo que pertence ao pai e é transmitido por uma linhagem masculina. Assim, Vitória questiona a utilização de um termo com raízes tão patriarcais para designar o que é culturalmente relevante para toda uma sociedade.

“Como cresci rodeada por mulheres, sobretudo minha mãe e uma tia, cujas histórias envolviam pouca escolarização e exploração, o uso de uma palavra que omite, já na forma de nomeação, a atuação de qualquer pessoa que não seja homem, me fez chegar no doutorado querendo pensar sobre as relações de poder que geram esses apagamentos, a partir de uma perspectiva de gênero no campo da memória e dos patrimônios”, explica a autora.

Descolonização da memória

A obra evidencia como o apagamento na memória é uma política de dominação que impede a valoração e o reconhecimento das mulheres, diminuindo seu prestígio e status social.

Desse modo, uma das principais abordagens do livro é que existe uma ligação direta entre a violência física e o apagamento histórico. A autora desenvolve a tese de que o memoricídio – um apagamento sistemático da memória – e o feminicídio são duas faces da mesma moeda do patriarcado. “O feminicídio, o extremo da violência, atenta contra a vida das mulheres. Já o memoricídio é uma forma de extermínio das mulheres ao retirar seus lugares como sujeitas da história, silenciando suas contribuições para o desenvolvimento das sociedades”, reflete a pesquisadora. 

Vitória se inspira em sua trajetória pessoal para criar a narrativa da obra. Isso porque, a pesquisa nasceu em Brasília (DF) e cresceu entre Valparaíso de Goiás e Juazeiro do Norte, no Ceará. Isso a conectou com os saberes e fazeres tradicionais que mais tarde se tornaram tema de seu estudo. Assim, a autora encontrou na história de sua própria família a matéria-prima para suas reflexões. 

A autora defende a necessidade de debater coletivamente que tipo de memória e identidade queremos construir como sociedade, incluindo os diferentes grupos historicamente desconsiderados. Dessa forma, o livro não propõe o abandono das políticas patrimoniais, mas sim seu aprimoramento. A obra reflete outras formas de recordar e valorizar, destacando o papel das mulheres como guardiãs e produtoras de artes, culturas e memórias.

Sobre a autora

Imagem da autora Vitória Gomes
Créditos: Ana Patrícia Sousa

Vitória Gomes é professora, pesquisadora e brincante. Integra o grupo de Coco São Francisco de Mestre Dodô e Mestre Joãozinho, em Juazeiro do Norte (CE). Além disso, é doutora e mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professora na Universidade Federal do Cariri (UFCA), onde coordena o grupo de pesquisa SABERES. Em 2025, iniciou seu pós-doutorado em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Seu estudo investiga memórias e saberes de mulheres no Programa de Saberes Tradicionais. Sua trajetória acadêmica e pessoal é profundamente marcada pelas culturas populares e pela luta contra o apagamento das memórias femininas.

Imagem capa: Ana Patrícia Sousa