Comédias e dramas ambientados em encontros de mundos diferentes ajudam a refletir sobre identidade, família e escolhas pessoais no cinema nacional

O encontro de personagens que vivem em universos distintos tem sido uma estratégia constante no cinema. No Brasil, esse recurso ganha força em comédias, dramas e produções híbridas que exploram o contraste cultural, social e geracional.

A estrutura parte de conflitos simples: um personagem urbano vai para o interior, alguém acostumado ao luxo se vê em contato com a natureza ou uma família precisa lidar com valores opostos.

A partir dessas situações, surgem narrativas que questionam identidade, pertencimento e escolhas individuais. Esse tipo de construção também atende a uma demanda do público.

Ao reunir realidades opostas em uma mesma história, o cinema cria situações de estranhamento que funcionam tanto como humor quanto como reflexão. O recurso se adapta a diferentes gêneros, permitindo que um mesmo tema seja explorado em chave leve ou dramática.

Cinema nacional e o encontro de mundos
Minha Mãe é Uma Peça mostra o encontre de gerações entre uma mãe e seus filhos | Foto: Reprodução/Globoplay

Comédias brasileiras e os contrastes sociais

No campo da comédia, o Brasil acumula exemplos de sucessos que partem justamente dessa colisão de mundos. Um dos casos mais conhecidos é “Minha Mãe é uma Peça“, franquia estrelada por Paulo Gustavo (Minha Vida em Marte).

O choque entre a figura materna expansiva e os filhos que desejam independência se traduz em cenas que atravessam gerações, colocando em jogo diferenças de linguagem, comportamento e expectativas familiares.

Outro exemplo é “De Pernas pro Ar“, com Ingrid Guimarães (“Perrengue Fashion”). A trama acompanha uma executiva que, em meio à rotina acelerada do mercado corporativo, precisa lidar com novas experiências ligadas à sexualidade e ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional. O enredo mostra como o contraste entre vida privada e pública pode gerar questionamentos sobre papéis sociais.

Mais recente, “Perrengue Fashion” segue essa mesma linha. A narrativa coloca uma influenciadora do universo da moda em confronto com o ativismo ambiental de seu filho, levando a personagem para a Amazônia.

O contraste geográfico e cultural impulsiona as situações cômicas, mas também abre espaço para debates sobre consumo e sustentabilidade.

Perrengue Fashio estreia em 9 de outubro
Ingrid Guimarães e Rafa Chalub saem da cidade e vão para a selva em novo filme | Crédito: Paris Filmes/Divulgação

Dramas e as fronteiras familiares

Se as comédias utilizam o recurso para provocar riso, os dramas brasileiros encontram nele uma forma de explorar conflitos emocionais. Em “Que Horas Ela Volta?“, de Anna Muylaert, a relação entre uma empregada doméstica e a filha que retorna a São Paulo expõe tensões de classe e de convivência. O encontro entre mundos acontece dentro de uma mesma casa, onde hierarquias sociais moldam os personagens.

Outro título representativo é “Bicho de Sete Cabeças“, de Laís Bodanzky. O filme acompanha a trajetória de um jovem internado em uma clínica psiquiátrica após o pai descobrir seu consumo de drogas.

Nesse caso, o contraste se dá entre gerações, com visões distintas sobre autoridade, liberdade e cuidado. O encontro de perspectivas resulta em um drama que toca em questões de saúde mental e relações familiares.

Em “Central do Brasil“, de Walter Salles, o recurso ganha amplitude nacional. A história une uma professora aposentada que escreve cartas na estação de trem e um menino que busca o pai no interior do Brasil. A viagem transforma o choque entre mundos individuais em uma narrativa que cruza geografias e modos de vida.

Que Horas Ela Volta de Ana Muylaert
Cena de “Que Horas Ela Volta?” | Crédito: Globo/Divulgação

Identidade, escolhas e pertencimento

Esses exemplos mostram como o encontro de mundos diferentes no cinema nacional não se limita a um truque narrativo. Ele se torna um instrumento para discutir identidade, valores e pertencimento.

Seja pela comédia ou pelo drama, as histórias apontam para dilemas universais: a adaptação a novas realidades, o enfrentamento de diferenças sociais e culturais, e a revisão de escolhas pessoais diante do inesperado.

Além disso, o recurso permite que o público se identifique. Muitas vezes, os espectadores reconhecem no contraste entre personagens situações que já viveram em família, no trabalho ou na comunidade. O cinema, ao dramatizar esses encontros, cria um espaço de reflexão coletiva.

O mesmo recurso aparece em produções internacionais, mas no Brasil ele ganha contornos específicos por conta das desigualdades sociais e das dimensões regionais.

Assim, a transição entre campo e cidade, Norte e Sul, ou tradição e modernidade adquire um peso narrativo que amplia as possibilidades de análise.

Cinema nacional e o encontro de mundos
Ingrid Gumarães em “De Pernas pro Ar”| Foto: Mauro Kury/Divulgação

O futuro desse recurso no cinema nacional

A presença de novos diretores e roteiristas indica que o encontro entre mundos seguirá relevante nas produções brasileiras. A combinação de humor e crítica social continua sendo explorada, mas os dramas também mantêm esse espaço ao abordar temas contemporâneos como ativismo, diversidade e relações familiares em transformação.

As plataformas de streaming também ampliam o alcance desse tipo de narrativa. Ao disponibilizar filmes brasileiros para públicos de diferentes regiões, reforçam a identificação com histórias que atravessam barreiras geográficas e culturais.

Isso aumenta a probabilidade de novas produções explorarem o recurso, seja em obras independentes ou em projetos de maior orçamento.

O cinema nacional, portanto, encontra no choque entre universos distintos uma estratégia eficiente para atrair público e, ao mesmo tempo, levantar discussões.

A recorrência do tema em diferentes gêneros mostra que ele continuará a desempenhar papel central na maneira como as produções abordam família, identidade e sociedade.

Imagem de capa: Netflix/Divulgação