“A vida é tão curta, e a arte é tão longa”. Quando a jovem Maria de Lourdes Castro Pontes escreveu essa frase em seu diário, parecia estar prevendo seu destino. Miss Cyclone (pseudônimo adotado pela jovem) teve uma vida breve, mas intensa. A jovem despertou fascínio em quem a conheceu e seu legado, apesar de apagado historicamente, agora se recupera.
Miss Cyclone é a personagem principal do longa-metragem Cyclone (2025) de Flávia Castro. Luiza Mariani interpreta a personagem principal na produção que busca resgatar o trabalho da autora pouco conhecida, mas muito importante na época que antecedeu a Semana de Arte Moderna de 1922.
As informações sobre ela são bastante raras, mas há relatos de que Maria de Lourdes não era conhecida apenas como Miss Cyclone, mas também como Dasy, Daisy, Gracia Lohe e Lurdes. A maioria dos registros remete ao “O perfeito cozinheiro das almas deste mundo” diário coletivo de Oswald de Andrade, que cita a rotina dos jovens escritores como Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade e Monteiro Lobato, na garçonnière de Andrade em São Paulo.
De acordo com o artigo científico de Leandro Pasini, publicado na Revista Ieb da Universidade de São Paulo (USP), pelo olhar retrospectivo, Daisy se apresenta como uma figura cheia de promessas artísticas, muito interessantes na letra e no espírito.
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Cyclone e Oswald de Andrade: relatos fragmentados
O diário traz uma série de anotações sobre o ano de 1918, portanto, um período que antecede a Semana de Arte Moderna de 1922. De acordo com a obra, Maria de Lourdes viveu um romance com o poeta Oswald de Andrade (1890-1954). Ela era apenas uma normalista de 18 anos, mas é descrita na obra como uma mulher moderna, independente e livre para os padrões da época.
O romancista e historiador José Roberto Walker, buscou desvendar essa história ao ler uma edição da obra publicada em 1987. A relação entre Oswald de Andrade e Cyclone é o tema central de seu livro “Neve na Manhã de São Paulo” (2017). Em uma entrevista que concedeu à Revista ÉPOCA, Walker trouxe dados importantes dessa relação desconhecida do público:
“No começo, parecia mais uma história de amor entre uma menina e um cara famoso que não deu certo e terminou tragicamente, mas vi que não era só isso”. Miss Cyclone chegou a escrever um livro e pediu ao parceiro que o publicasse, mas ele perdeu o manuscrito.
José Roberto Walker em entrevista à Revista Época
Quando Miss Cyclone engravidou, Oswald de Andrade questionou a paternidade e pressionada por ele a fazer um aborto, ela concordou. No entanto, após o procedimento, houve graves complicações como hemorragias e febre alta. Após uma cirurgia de histerectomia (retirada do útero), o estado da jovem agravou-se. Maria de Lourdes morreu provavelmente em 24 de agosto de 1919. Porém, os dados são tão poucos que não se tem certeza da data.
A principal base para essa informação é o relato de que, em uma tentativa de diminuir sua culpa, Oswald de Andrade tenha se casado com ela em 14 de agosto de 1919, dez dias antes da morte de Cyclone. Mas esse casamento geralmente não é citado entre os vários de Oswald de Andrade (entre eles, Tarsila do Amaral e Pagu). Portanto, não se tem certeza de sua validade ou simbolismo.
Apagamento: Miss Cyclone e sua história desconhecida
A tragédia de Miss Cyclone traz lições sobre a posição da mulher tanto no cenário literário quanto na sociedade. No início do século XX, apesar de inúmeros talentos, várias autoras não conseguiram publicar seus trabalhos. As que o fizeram, perderam-se no tempo. Um exemplo é a escritora Julia Lopes de Almeida, esquecida durante muitos anos e que só recentemente teve seu reconhecimento.
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Mas a jovem Maria de Lourdes não teve a mesma sorte ou o mesmo apoio. Além de não ter mais nada além de pequenas frases ou fragmentos, sofreu uma morte trágica e foi relegada ao esquecimento. Flávia Castro faz justiça a uma personalidade negligenciada e apagada, como tantas outras jovens já foram. Vale a reflexão: por que Miss Cyclone desapareceu dos registros? Como podemos resgatar isso? A conclusão é que há muitas histórias desconhecidas, que podem revelar segredos inimagináveis.
ESTRELADO POR LUIZA MARIANI E DU MOSCOVIS, CYCLONE ESTREIA NOS CINEMAS NESTA QUINTA (4). Confira o trailer:
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