Em meio ao aumento da violência contra mulheres no Brasil, livros se tornam ferramentas para conscientizar e fortalecer debates

No último domingo (07), diversas cidades brasileiras reuniram manifestantes para protestar contra o aumento dos casos de feminicídio e de violência contra as mulheres. Segundo a lei brasileira (Lei nº 13.104/2015), o feminicídio se caracteriza pelo homicídio de uma mulher “por razões da condição de sexo feminino”:

Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em 2025 houve um aumento de 26% de tentativas de feminicídio no Brasil. Sendo que nos anos anteriores o número havia se destacado pela diminuição de crimes contra a mulher. Em 2024, os dados registraram um recuo de 5% em casos de feminicídio, enquanto em 2023 os relatórios apresentaram uma baixa de 2% em relação à 2022. 

Manifestações ao redor do Brasil exigem justiça 

Protesto contra feminicídio na Avenida Paulista, em 7 de dezembro de 2025
Protesto contra feminicídio na Avenida Paulista, em 7 de dezembro de 2025 | Crédito: Tuane Fernandes/Reuters

Os casos de feminicídio e de violência contra a mulher ocuparam os noticiários brasileiros nos últimos dias. Nesta manhã de segunda-feira (08), a polícia registrou mais um caso em São Thomé das Letras (MG), onde uma mulher de 26 anos teve 60% do corpo queimado. Após uma discussão, o agressor ateou gasolina e fogo na vítima. 

Nenhum dos casos denunciados são circunstâncias isoladas. De acordo com o Mapa da Segurança Pública de 2025, quatro mulheres são assassinadas por dia no Brasil.

O aumento da onda de crimes contra mulheres chocou o país, e mobilizou diversas cidades em manifestações simultâneas no domingo (07). Em São Paulo, estima-se que o ato teve 9,2 mil manifestantes, segundo o levantamento realizado pelo Monitor do Debate Político da USP. O protesto também contou com a presença das deputadas federais Erika Hilton (PSOL-SP) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Dessa forma, as manifestações levantaram vozes e cartazes exigindo justiça pela vida das mulheres. Além de promover debates de temas como legislação, questões estruturais e liberdade. 

“A gente precisa de penas mais duras para o feminicídio. Não é possível um homem matar uma mulher e, uma semana depois, estar na rua para matar outra. Isso não pode acontecer” – Primeira dama, Janja Lula da Silva, durante discurso em protesto de Brasília. 

O letramento de gênero e a literatura ajudam a denunciar a violência contra a mulher

Protesto contra feminicídio no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 2025
Protesto contra feminicídio no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 2025 | Crédito: Tita Barros/Reuters

O letramento de gênero é uma das formas de conscientização e estudo aprofundado da cultura patriarcal e divisão de gêneros na sociedade. Sendo assim, a literatura atua como uma das formas de instigar a compreensão crítica, equidade e combater à violência contra mulher. 

Além disso, é importante conhecer livros – sejam de ficção ou não – que abordam o assunto de maneira respeitosa e correta.  Recentemente, por exemplo, o livro É Assim Que Acaba”, da Colleen Hoover, recebeu críticas pela maneira como a autora retrata a violência doméstica contra a mulher. Na adaptação para as telas do cinema, a reação também se intensificou, pois os envolvidos na divulgação da obra adotaram ações consideradas insensíveis em relação à história.

Em 2023, a autora enfrentou desaprovações ao anunciar o lançamento de um livro de colorir baseado na obra. Colleen Hoover desistiu do projeto após leitores e críticos apontarem que era uma forma de romantizar a história. Posteriormente, durante o after-party da estreia do filme foram servidos drinques alcoólicos temáticos com nomes associados ao agressor da trama

Retratar e denunciar a violência de gênero na literatura não é apenas fundamental, como também necessário. Desde que seja realizado de forma respeitosa, tanto na obra quanto em ações no mercado editorial e audiovisual que envolvam as histórias.

Conheça obras para se conscientizar e aprofundar debates 

01- As meninas, de Lygia Fagundes Telles (1973)

Capa de As Meninas, de Lygia Fagundes Telles
Capa de As Meninas, de Lygia Fagundes Telles | Crédito: Companhia das Letras

“As Meninas”, de Lygia Fagundes Telles, se consolidou como um clássico da literatura brasileira. A narrativa acompanha a história de Lorena, Lia e Ana Clara, durante a Ditadura Militar. 

Apesar de ficcional, o livro denuncia a violência e opressão que as protagonistas vivenciam. Ainda que o enredo represente o cenário político da época, as narrativas – infelizmente – se mostram atuais até os dias de hoje.

02- Sobrevivi… Posso contar, de Maria da Penha (1994)

Capa de Sobrevivi... Posso contar, de Maria da Penha
Capa de “Sobrevivi… Posso contar”, de Maria da Penha | Crédito: Editora Armazém da Cultura

A obra foi escrita por Maria da Penha, a autora nomeia à lei brasileira nº 11.340, que aborda a violência contra a mulher. Em “Sobrevivi… Posso contar”, Penha detalha sua história e sua luta, de mais de 20 anos, para combater a agressão doméstica no Brasil.

O livro conta com o apoio do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).

03- Falsa acusação: uma história verdadeira, de Ken Armstrong e T. Christian Miller (2019)

Capa de Falsa acusação, de Ken Armstrong e T. Christian Miller
Capa de “Falsa acusação”, de Ken Armstrong e T. Christian Miller | Crédito: Editora Leya

A narrativa acompanha o caso real de Marie. A jovem foi pressionada pelas autoridades a retirar sua denúncia de estupro, até que novas agressões começaram a aparecer em outra região. É somente quando duas detetives começam a conectar as histórias que revelam se tratar de um caso de estuprador em série.

Dessa forma, Ken Armstrong e T. Christian Miller expõem como falhas institucionais e preconceitos afetam vítimas de violência sexual. 

04- Justiça para todas: O que toda mulher deve saber para garantir seus direitos, de Fayda Belo (2023)

Capa de Justiça para todas, de Fayda Belo
Capa de “Justiça para todas”, de Fayda Belo | Crédito: Editora Planeta

Fayda Belo une sua experiência como advogada criminalista com a escrita ao produzir um guia para as mulheres brasileiras. Segundo a autora, o objetivo do livro é fortalecer leitoras por meio do conhecimento.

Sendo assim, a obra esclarece dúvidas frequentes e detalha como funcionam os mecanismos legais de proteção. Além de explicar os caminhos possíveis para denunciar uma agressão.

05- As filhas de Safo, de Selby Wynn Schwartz (2025)

Capa de As filhas de Safo, de Selby Wynn Schwartz
Capa de “As filhas de Safo”, de Selby Wynn Schwartz | Crédito: Editora Autêntica Contemporânea

Ao acompanhar personagens inspiradas em figuras reais de 1800 adiante, Selby Wynn Schwartz mergulha em temas como identidade e pertencimento. Ainda que a ótica principal do enredo sejam relacionamentos sáficos, as histórias também denunciam uma realidade opressora e preconceitos de gêneros que ecoam ainda nos dias atuais. 

Da mesma forma, a autora apresenta ao leitor mulheres históricas que enfrentaram limites sociais e lutaram pelo direito e liberdade de existir plenamente como mulheres.

06- Boca do Mundo, de Dia Bárbara Nobre (2025)

Capa de Boca do Mundo, de Dia Bárbara Nobre
Capa de “Boca do Mundo”, de Dia Bárbara Nobre | Crédito: Companhia das Letras

A narrativa acompanha mulheres que vivem às margens de uma pequena comunidade, onde histórias contadas e memórias familiares moldam o cotidiano. Todavia, a protagonista acaba sendo vítima de um relacionamento marcado pelo ciúmes e pela violência. 

Assim, sua morte a transforma em espírito errante, conhecido como a santa das espancadas, protetora das mulheres violentadas. O livro é inspirado em histórias reais de feminicídio, e questiona tanto a herança patriarcal quanto as cicatrizes deixadas por ela.

Imagem de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil