Três Obás de Xangô une memória, arte e afeto, resgatando a amizade entre Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé

O documentário Três Obás de Xangô é dirigido por Sérgio Machado, cineasta baiano responsável por Cidade Baixa e Tudo que Aprendemos Juntos. O documentário celebra a amizade entre Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé.

A produção é da Globo Filmes em parceria com a Cinematográfica Superfilmes, além de trilha sonora que dialoga intimamente com a musicalidade de Caymmi. “Três Obás de Xangô” estreou em festivais de cinema nacionais e teve grande destaque por sua abordagem poética e pela capacidade de transformar lembranças pessoais em um mosaico histórico-cultural.

Participam do documentário Jorge Amado, Dorival Caymmi, Carybé, Camafeu de Oxóssi, Mãe Stella de Oxóssi, Gilberto Gil, Muniz Sodré, Gildeci Leite, Balbino Daniel de Paula, Ayrson Heráclito, Tiganá Santana, Maria Lúcia de Santana Neves, Solange Bernabó, Paloma Amado, Lázaro Ramos, João Jorge, Itamar Vieira Jr., Goli Guerreiro, Dori Caymmi, Danilo Caymmi dentre outros.

A tríade que moldou a Bahia cultural

Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé - 3 Obás de Xangô
Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé – 3 Obás de Xangô. Crédito: Divulgação Divulgação Coqueirão Pictures

Falar da identidade cultural da Bahia no século XX é, inevitavelmente, falar de Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé. Cada um, com sua linguagem, transformou o cotidiano baiano em arte. Juntos, ajudaram a fixar na memória do Brasil, e do mundo, tradições, crenças e personagens que definem até hoje o espírito da região.

Jorge Amado, traduzido em dezenas de idiomas e lido globalmente, levou a Bahia para além de suas fronteiras. Em romances como Gabriela, Dona Flor e Tieta, ele colocou o povo no centro da literatura, deu voz ao sincretismo religioso e inseriu o candomblé na cena literária com lirismo e crítica social.

Na música, Dorival Caymmi fez o mesmo. Seu repertório é quase uma geografia afetiva da Bahia: o mar, os pescadores, a vida simples, a sensualidade. Clássicos como O que é que a baiana tem? e Samba da Minha Terra atravessaram gerações e influenciaram tanto a Bossa Nova quanto a MPB, moldando o som da música brasileira.

Carybé, argentino de nascimento e baiano de coração, completou a tríade. Artista plástico múltiplo, pintor, gravurista, escultor, registrou como ninguém a força do candomblé, as festas populares e o dia a dia do povo. Suas obras não apenas documentam, mas celebram a energia cultural da Bahia.

A união entre literatura, música e artes plásticas construiu uma Bahia mítica e popular, profundamente enraizada em sua ancestralidade, mas com potência para dialogar com o mundo inteiro.

Direção e roteiro

3 Obás de Xangô acerta ao transformar a amizade entre Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé em um fio condutor poderoso que costura afeto, cultura e política. O documentário deixa claro que eles não são apenas personagens, mas sim o elo de uma Bahia da literatura, da música e da pintura. A escolha de Sérgio Machado de resgatar esse reencontro simbólico, especialmente a conexão com o terreiro de Mãe Stella de Oxóssi, faz emergir um diálogo silencioso entre tradição e contemporaneidade.

O documentário insere também um olhar respeitoso sobre a espiritualidade africana, especialmente o Candomblé. Ao mostrar os três artistas como “Obás de Xangô”, título honorífico do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, demonstra-se que sua produção artística também era uma extensão da fé, uma ponte entre sociedade e religiosidade. Dessa forma, o diretor reforça de forma sutil que a cultura baiana não é só arte. Ela é crença e resistência.

Montagem

Jorge Amado e Carybé - 3 Obás de Xangô
Jorge Amado e Carybé – 3 Obás de Xangô. Crédito: Divulgação Divulgação Coqueirão Pictures

Machado emprega em sua produção diversas imagens de arquivo raras, cartas trocadas e depoimentos íntimos, trazendo para a produção um tom poético. Entretanto, essa romantização acaba deixando de lado questões que poderiam enriquecer mais a produção. Com isso, o documentário acaba perdendo seu lado crítico, focando mais em uma celebração sobre a tríade. A obra quase não apresenta contrapontos ou críticas aos personagens retratados.

A transição entre imagens de arquivo, cenas no terreiro, entrevistas e trilhas originais foi feita de forma elegante, entretanto em alguns momentos não dá muito certo. Assim, algumas transições saem um pouco do ritmo da narrativa. Nesse sentido, em alguns trechos, o discurso cultural perde força ao ser atravessado por vozes que soam deslocadas e não se integram plenamente ao conjunto da obra.

Vale a pena assistir 3 Obás de Xangô?

3 Obás de Xangô é um documentário que emociona pela delicadeza com que trata a amizade, a espiritualidade e a criação artística como enraizadas umas nas outras. Dessa forma, a produção expande o conceito de memória afetiva para além da questão biográfica.

Embora com algumas falhas, a produção traz bastante da cultura brasileira, da nossa espiritualidade e histórias aconchegantes sobre Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé.