A Baleia é um filme desconcertante, que cria sensações mistas ao longo de quase 2 horas de filme. Acompanhamos Charlie, um professor de redação que pesa 270KG e que não consegue sair do sofá para quase nada. Filmado quase que em sua totalidade dentro do apartamento, essa sensação de enclausuramento é basicamente o retrato de como Charlie se sente.
Interpretado por Brendan Fraser, Charlie sempre teve problemas com suas escolhas, e agora que pode estar perto do fim da sua vida, decide se reaproximar de sua filha e reaver o tempo perdido. A história, apesar de obscura, profunda e chocante, na verdade mostra como que nós podemos ser hipócritas com nossas escolhas. O filme aborda temas complexos como depressão profunda, suicídio, homofobia, preconceito, alienação parental e abandono parental.
Um dos grandes méritos do diretor Darren Aronofsky (mãe!, Réquiem Para Um Sonho) foi conseguir nos fazer sentir dentro do pequeno apartamento de Charlie. Isso porque, já somos apresentados ao espaço desde o começo, e essa familiarização com o local é importante. Aquele pequeno apartamento, perante o tamanho do personagem gera um contraste intrigante e incomodo. Nos sentimos apertados, sufocados, e a medida que ouvimos a respiração ofegante de Charlie, nós também ficamos ofegantes. Não é um filme agradável, desde o primeiro minuto somos confrontados pela realidade da natureza humana, do seu pior ao seu melhor aspecto.
Charlie é cuidado de perto pela amiga Liz (Hong Chau), que é uma enfermeira que salva Charlie em vários momentos de sua vida. Tanto na medicina quanto na amizade. A crítica ao sistema de saúde americano aqui é clara. Ele prefere morrer do que chamar uma ambulância, que custará todo o seu dinheiro. Sendo assim, cabe a Liz resolver os problemas médicos causado pela obesidade severa que está literalmente matando Charlie.
Um roteiro intenso, uma história marcante
Inclusive, esse é o ponto principal dessa trama. Discutir os aspectos das nossas atitudes cotidianas, como as percebemos, e como os outros as percebem. Charlie largou sua família para viver um romance proibido. Um romance homossexual dentro de um contexto religioso, afinal de contas, seu companheiro era da igreja local. Esse é o principal gatilho para a mudança de vida desse homem, que já tinha uma esposa e uma filha quando resolveu assumir sua natureza.
Dai nasce a relação complicada com sua filha interpretada por Sadie Sink, afinal, não é metafórico dizer que ela foi abandonada por ele. Será que é justo que ao fim de sua vida, esse laço deva ser retomado? Mais uma vez somos impulsionados a compreender que as atitudes tem consequências, mas que independem da nossa aprovação para elas. Esses questionamentos são recorrentes ao longo de quase todo filme, além do conflito gerado emocionalmente dentro de cada um de nós.
Afinal, como não se compadecer da história trágica que cerca a vida de Charlie, ao mesmo tempo que sabemos que elas resultam exclusivamente das decisões dele. Esse bolo moral norteia nossos sentimentos até o fim, quando compreendemos que o convite que o diretor nos faz não é de julgar, mas sim de nos colocar no mesmo lugar.
Brendan Fraser se entrega totalmente ao papel
Fraser se transformou fisicamente para viver o personagem: um homem com obesidade severa que não consegue sair do sofá. A maquiagem está tão perfeita, que quase podemos acreditar que Fraser de fato engordou daquela forma. Foram horas e mais horas de trabalho intenso para transformar o ator em um personagem 3 vezes o seu tamanho. O que mostra claramente o comprometimento com o trabalho, afinal de contas, se você levar em consideração tamanho do apartamento, tamanho do personagem, e todos os pequenos detalhes, a dificuldade é elevada a décima potência.
É um filme que paralisa, que machuca, e que nos faz pensar. A atuação de Fraser, impecável, explica todos os elogios e homenagens que vem recebendo nas premiações, assim como sua indicação ao Oscar de Melhor Ator. Não é um filme para todos, mas deveria ser assistido por todos.