A Colmeia, o drama psicológico com direção de Gilson Vargas, premiado em Zaragoza e Gramado, estreia nos cinemas brasileiros prometendo levar suspense, terror e imersão ao espectador. Com poucas cenas de diálogos e uma trilha sonora intensa e imersiva, o filme de pouco mais de 1 hora e meia fala através de imagens e sons.

Suspense e Drama juntos

O filme acompanha um grupo de pessoas morando em uma casa no meio da mata, isoladas e afastadas da civilização. Nessa casa o trabalho é o mais importante, independente se é mulher, homem, ou criança, já que como estão afastados, a subsistência é o que os mantém vivos. Bertha e Werner são os líderes do grupo, ao lado de Kasper, Uli, Lila e Erika. Junto a eles vivem os gêmeos Christoffer e Mayla, que aparentam ter entre 14 e 16 anos.

O filme não faz questão de deixar claro a origem de cada pessoa, mas o que se percebe é que são imigrantes alemães, e considerando que o filme se passa durante o período da Segunda Guerra, ser alemão ou falar sua língua de origem pode ser uma afronta e representar um perigo real a essas pessoas. Gilson Vargas traz para a tela vários conflitos, internos, externos, raciais, sexuais, morais e éticos, e cada um desses temas é tratado de forma intensa e extrema.

a colmeia
Crédito: Bruno Polidoro

Direção

A relação entre os membros da casa é divergente na maior parte do tempo, ou seja, o clima “familiar” imposto pelos patriarcas é puramente intimidador. Ninguém tem permissão de ser ou ter o que deseja, se não for pelo bem coletivo imposto. Um dos pontos mais explorados é sobre a educação, Christoffer é o único autorizado a frequentar a escola, mesmo sua irmã Mayla tendo os mesmos desejos do irmão. Mas a força de trabalho é mais importante, além do mais, conhecimento pode comprometer a hierarquia de medo criada por Werner e Bertha, para que todos na casa trabalhem na lavoura.

Gilson também explora o tema da sexualidade entre os membros da família. É preciso considerar a época em que o filme se passa, onde as mulheres eram reprimidas em toda sua essência, e na sexualidade principalmente. Sexo não tinha como finalidade o prazer, mas somente a reprodução. Quando o sexo era usado para o prazer, em essência era para satisfazer o homem, e no filme isso fica claro quando um dos membros precisa esconder seus relacionamentos dos demais para evitar a repressão. Vargas também ousa ao tocar, mesmo que de leve, no tema incesto e consanguinidade. Mas é preciso dizer que a direção acertou ao passar pelos temas com a leveza necessária para não transformar o filme em uma obra grotesca.

As atuações surpreendem em A Colmeia

Falando de elenco, a escolha de atores que não fazem parte do rol de conhecidos do cinema, pode a princípio deixar pairar dúvidas sobre a qualidade das atuações, mas é preciso dizer que todos conseguem cumprir muito bem seus papeis. As atuações de Andressa Matos, que interpreta Mayla, e João Pedro Prates, que interpreta Christoffer, são as que mais chama a atenção. Prates deixou transparecer em tela um pouco de insegurança, principalmente nas cenas que exigiam dele posturas combativas, mas ele consegue controlar bem e entregar uma atuação convincente, mas é Andressa quem consegue passar mais entrega e confiança na tela. Mas também, as cenas dela são as mais combativas e intensas, logo, a exigência seria maior e ela consegue dar conta. Entre os adultos pouco podemos analisar já que em suma, as cenas não são tão exigentes.

Talvez o ponto mais alto da atuação seja na cena em que todos na casa precisam cortar seus cabelos, homens e mulheres, por conta de uma infestação de piolhos. O diretor não tentou amenizar as cenas, pelo contrário, é possível ver o desconforto real em ter seus cabelos ceifados a força. As lagrimas derramadas tem veracidade, a dor nos aflige, e a revolta é coletiva. Cenas muito bem filmadas, e a escolha dos enquadro foram perfeitas. Inclusive, o filme tem uma fotografia muito bonita, tomadas muito bem filmadas.

Vale a pena?

Vargas também não se exime de mostrar os conflitos raciais e étnicos resultantes dessa interação no interior brasileiro. Afinal de contas, em meados dos anos 1940 o interior do Brasil era uma mistura de raças e etnias. Porém, os povos originários foram sempre subjugados. Os “Bugres”, como são chamados, eram tidos como selvagens, e culpados por tudo que acontecia de ruim. Os europeus, principalmente, transformaram os povos originários em alvos que deverimam ser doutrinados ou mortos. Esse é o coração da história, e é preciso ter sensibilidade para observar essas situações e ver o como o desenrolar delas define o final do filme.

O final é emblemático, perturbador, nos enoja, mas não é fácil perceber de primeira. É preciso digerir toda a história, e prestar atenção em todos os sinais. Gilson Vargas não entrega de bandeja o resultado, ele deixa para nós, espectadores, o papel de desvendar as nuanças de sua direção. A Colmeia é uma grata surpresa, e mostra que o cinema brasileiro sabe contar boas histórias. Vale a pena assistir no cinema, mas prepare seu estomago.

Site: lancafilmes.com.br