Anna Muylaert retorna com uma poderosa história sobre amor materno, violência e sobrevivência nas ruas de São Paulo

Quando Anna Muylaert lançou Que Horas Ela Volta? (2015), o cinema brasileiro ganhou uma nova voz disposta a expor desigualdades sociais de forma sensível, direta e transformadora. Agora, em A Melhor Mãe do Mundo (2024), a diretora volta seu olhar para uma realidade igualmente urgente: a de mulheres negras periféricas que lutam para sobreviver em meio à pobreza, à violência doméstica e ao abandono social. Com uma direção delicada, mas contundente, Muylaert nos convida a observar uma São Paulo muitas vezes ignorada — e nos emociona ao contar uma história de amor incondicional de uma mãe por seus filhos.

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A Melhro Mãe do Mundo | Imagem: Galeria Distribuidora/IMDB

Uma mãe que carrega o mundo

A protagonista Gal, vivida com força e ternura por Shirley Cruz, é uma catadora de recicláveis que tenta sustentar os filhos pequenos em meio ao caos urbano. Desde a primeira cena, sentimos o peso do mundo sobre seus ombros — literalmente e metaforicamente. Seu companheiro, interpretado por Seu Jorge, é agressivo, violento e alcoólatra. No entanto, sair dessa relação não é simples, Gal vive em um ciclo de violência que mistura dependência emocional, vulnerabilidade econômica e culpa internalizada.

Mesmo com tudo isso, ela não desiste. Quando decide romper com o agressor, Gal parte com os filhos pelas ruas de São Paulo, transformando a dura rotina de quem vive em situação de rua em uma espécie de jogo lúdico para proteger as crianças da realidade. Essa escolha lembra a ternura desesperada de A Vida é Bela (1997), mas com os pés fincados no Brasil de hoje.

Um retrato doloroso e necessário

Muylaert mergulha no cotidiano de Gal sem filtros. A câmera observa de perto o lixo acumulado, o descaso da cidade e a invisibilidade imposta às mulheres negras pobres. No entanto, evita a miséria estética, há poesia nos pequenos gestos de carinho entre mãe e filhos, há dignidade nos sorrisos que resistem mesmo na adversidade.

A fotografia ressalta a brutalidade das ruas e a paleta cinzenta de um país desigual. Por outro lado, há momentos em que a luz encontra Gal e seus filhos, como lampejos de esperança em meio à escuridão.

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A Melhro Mãe do Mundo | Cena do filme com Seu Jorge | Imagem: Galeria Distribuidora/IMDB

Elenco potente e atuações emocionantes

Shirley Cruz brilha como Gal. Sua interpretação vai do sofrimento silencioso à bravura apaixonada com naturalidade impressionante. As crianças, Rihanna Barbosa e Benin Ayo, também entregam atuações espontâneas e tocantes, reforçando a química familiar que sustenta a trama. Seu Jorge, em um papel sombrio, traz peso dramático à figura do agressor, sem cair na caricatura.

Entre crítica e lirismo

Embora o filme por vezes flerte com certa romantização da vida nas ruas, Muylaert não ignora a brutalidade do contexto. Pelo contrário, ela a denúncia com vigor. A jornada de Gal é marcada por idas e vindas, recaídas e tentativas de reconstrução — o que a torna ainda mais humana. A crítica social está presente, mas nunca engessada, ela pulsa junto com a protagonista, tornando-se parte orgânica da narrativa.

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A Melhro Mãe do Mundo | Poster do Filme | Imagem: Galeria Distribuidora/IMDB

Vale a pena assistir?

Sim. A Melhor Mãe do Mundo é um dos grandes filmes nacionais do ano. É sensível, urgente, doloroso e, acima de tudo, necessário. Anna Muylaert entrega uma obra que emociona sem apelar, denuncia sem ser panfletária e homenageia a força das mulheres brasileiras que resistem todos os dias.

Para quem busca um cinema nacional potente, comprometido com as realidades brasileiras e conduzido com esmero artístico, esta é uma experiência que não pode ser ignorada.


A Melhor Mãe do Mundo esteia em 7 de agosto de 2025 nos cinemas brasileiros.