Provocante e denso, Alma do Deserto questiona o que é identidade e aceitação.
O que nos faz ser nós mesmos? Ou então, o que nos faz ser parte da sociedade em si? Buscando respostas, Alma do Deserto acompanha os desafios em poder conquistar a sua própria identidade e a aceitação desta na atual sociedade, trazendo uma reflexão profunda sob os passos de uma mulher trans e indígena da Colômbia.
Com 1h27min de duração, o documentário colombiano-brasileiro Alma do Deserto coloca o telespectador frente a frente com os obstáculos burocráticos em ser aceito no país. A direção fica por conta de Mónica Taboada Tapia, enquanto o longa acompanha Georgina Epiayu, uma mulher transexual Wayuu que está lutando para navegar na burocracia colombiana para adquirir uma nova carteira de identidade que reflita sua identidade de gênero.
Dessa forma, com uma premissa reflexiva e provocante, resta a pergunta: o documentário consegue passar a sua mensagem? Ou melhor, será que Alma do Deserto é bom?
A densidade do deserto
A direção de Mónica Taboada é um acerto para o desenvolvimento singular de Alma do Deserto. O longa se desenvolve de maneira densa, um pouco confusa, mas linear. E isso é um ponto positivo aqui: a construção da narrativa com estes aspectos promove ainda mais uma empatia com Georgina Epiayu. Afinal, é junto aos passos da protagonista que o telespectador caminha para chegar a conclusão dessa “história“.
Em outras palavras, uma jornada que denúncia a dificuldade em se aceitar e obter a aceitação do todo, ou melhor, em pertencer à sociedade.
Ao mesmo tempo, a sutileza da cenografia, da própria fotografia em si, enfatiza e alimenta empatia com a protagonista. É através do andar mais lento, dos diálogos pouco desenvolvidos, que o longa se enriquece. Assim, se alimenta a angústia do telespectador com toda a situação. Uma angústia que é vivida diariamente – e há anos – por Georgina.
Portanto, o documentário em si é grande experiência empática, com uma narrativa densa e confusa, tal qual o sistema que tanto dificulta a aceitação da identidade de Georgina. É uma narrativa que usa da sutileza para denúncia e para questionar. Aos mesmos passos, para provocar no telespectador a empatia e revolta, resultando na sua reflexão sobre a sua mensagem.
As dificuldades em aceitarem a nossa Alma
Alma do Deserto tem uma mensagem clara, mas reflexiva a respeito do grande desafio de assumirmos quem somos. Afinal, quem é você em sua essência? Ou ainda, o que garante a aceitação do seu Eu pela sociedade? São entre estas e outras, que a essência do questionamento egoico se torna tão real, mesmo não compartilhando as mesmas dificuldades que Georgina.
Em outras palavras: você consegue ser fiel a si e ser você mesmo diante a sociedade em si? Seja qual for a reposta, há um desafio pela própria pressão social.
Dessa forma, a jornada de Georgina torna-se uma luta, um símbolo de perseverança. São décadas de burocracia e coragem para poder conseguir um documento oficial que honre a sua identidade de gênero. Um documento que lhe dá mais que a oficialização de seu Eu, mas como também um dos maiores direitos de um cidadão: o de voto.
Ironicamente, o longa nunca foi sobre eleição ou voto. Aliás, o ato de votar nem é importante a protagonista. Contudo, o fato de ela ter esse poder em suas mãos equivaleria à sociedade dizer a ela “nós te aceitamos por você ser quem você é”. É através deste documento que se legítima a noção de pertencer à sociedade.
Afinal, Alma do Deserto é bom?
Trazendo muita reflexão e angústia, Alma do Deserto aponta o dedo na ferida da sociedade humana. É uma denúncia a dificuldade em sermos quem somos. Um reflexo questionador e doloroso do preconceito – o qual encoraja o viver sem poder ser si mesmo.
Em termos cinematográficos, a direção de Mónica Taboada consegue absorver e retratar todos os questionamentos e desafios pela qual Georgina vive. Sim, apesar de linear, a narrativa pode ser confusa e pesada, porém, estes elementos são necessários para retratar ainda mais a luta e frustração diária da protagonista: uma mulher trans e indígena, vítima do preconceito e que perdeu sua casa devido à rejeição por ser quem ela é.
Ainda, a fotografia é um fato essencial do longa, captando pela sutileza as diversas emoções propostas. Ao mesmo tempo, é através desta mesma sutileza que o longa enfatiza alguns apontamentos e questionamentos. Ou seja, a fotografia sutil é um aspecto de suma importância, enaltecendo ainda mais a experiência do documentário.
Portanto, Alma do Deserto é um documentário que reflete a própria realidade em suas mais diversas camadas, trazendo um tom denso e angustiante. Um tom que convida o seu telespectador a sentir e ver sob o olhar da protagonista. A questionar e se revoltar quanto as dificuldades em ser aceito e pertencer a um grupo.
Por fim, trata-se de uma obra humanista e emocionante, sendo um filme que deveria ser assistido por todos.
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