Há alguns meses, Bom Menino (Good Boy) virou um fenômeno nas redes sociais, e não à toa. O longa chamou atenção por trazer algo inusitado, um filme de terror sob a ótica de um cachorro. A trama acompanha os medos e percepções do próprio animal, o que gerou muita curiosidade e debate na internet, além de estabelece uma visão inédita para o terror. Agora, com o lançamento do filme no Brasil no final de outubro, chegou a hora de compartilhar nossa crítica e dizer se essa proposta diferente realmente funciona ou se ficou só na ideia.
A produção tem direção do estreante Ben Leonberg como cineasta e teve o roteiro co-assinado por ele e Alex Cannon. No elenco estão Shane Jensen, Arielle Friedman, Larry Fessenden, e também o cão “Indy”, do próprio Leonberg, que assume o papel central. Com um orçamento baixo de US$ 750.000, a produção conquistou o prêmio “Good Boy, Great Filmmaking Award” da PETA por sua maneira ética de trabalhar com o protagonista canino.
Bom Menino parte de uma premissa simples e promissora. Um cachorrinho entra na vida de uma família ou de um protagonista solitário e, aos poucos, revela-se algo mais sinistro do que parece. É um material fértil para o terror psicológico, tocar em afetos, dependência e no que domesticamos (ou o que nos domestica).
Um terror com medo de arriscar

Leonberg busca trabalhar o contraste entre o cotidiano acolhedor e a ameaça crescente. Há cenas de construção de atmosfera muito bem pensadas, planos demorados, enquadramentos que isolam personagens dentro do espaço e um uso eficaz do silêncio. O problema maior vem do roteiro, pois a história acaba repetindo alguns clichês do subgênero como animal que vira perigo, e desconstrução da intimidade sem acrescentar camadas suficientes. Faltou profundidade nos motivos e nas consequências, e o filme acaba optando por soluções fáceis em momentos que pediriam ousadia, o que reduz o impacto emocional do clímax.
O filme não busca explicar muitas coisas, as coisas acontecem e pronto, existe um “mal” na casa. Talvez não aprofundaram isso, por ser sob o ponto de vista do cachorro. De toda forma, quem está assistindo ao filme minimamente merecia uma explicação melhor sobre os mistérios que rodeiam a casa.
O filme traz temas interessantes como a dependência emocional entre humano e animal, a inversão de papéis. É o humano que cuida do cachorro, ou o cachorro que cuida do humano? Além disso, dá para pensar em temas como isolamento, luto e como projetamos nossas necessidades em outros seres. Mas o roteiro não desenvolve esses eixos tão profundamente quanto poderia. São somente sinais, Existe a vontade de dizer algo relevante, mas falta coragem para ir até o fim.
O cachorro convence mais do que tudo

O elenco humano segura bem o material quando o texto permite. O foco não é o elenco humano. Tanto que na maior parte das vezes o rosto dos atores estão escondidos. Temos mais sombras, e na maior parte das vezes, vemos eles debaixo para cima, já que é a visão do cachorro. O protagonista (tutor do cachorro) transmite bem a escalada de incredulidade para desespero, e os coadjuvantes cumprem suas funções sem destoar.
Mas quem realmente chama atenção é “Indy”. Ele é fofo, é meigo, é o cachorro perfeito. Todo mundo quer ter um Indy. Ele consegue expressar tanto inocência quanto algo perturbador de forma quase sutil. A câmera aproveita isso em closes e detalhes. Um olhar, um movimento de cabeça, um latido fora de hora. Essas pequenas escolhas elevam várias cenas. Ainda assim, o filme peca por não exigir mais do elenco humano em termos de complexidade dramática, muitos personagens parecem existir apenas para sofrer as consequências ou ocupar espaço. Curiosamente, o filme levou mais de três anos para completar o processo de filmagem, já que Leonberg insistiu em confiar em Indy para agir naturalmente, sem CGI ou efeitos especiais.
Suspense bem construído, terror mal renderizado
Bom Menino acerta na atmosfera. A fotografia usa paletas que oscilam entre aconchegante e doentia. Luzes quentes tornam-se opressivas e sombras ganham protagonismo. A mixagem de som é outro destaque, o barulho de passos, portas e tiquetaques são explorados como elementos de tensão.
A produção evita exageros e aposta em sustos por proximidade. Um movimento de câmera, um som inesperado, um corte seco. Isso funciona melhor do que os jump scares baratos, e algumas sequências de perseguição e descoberta geram tensão real. Por outro lado, quando o filme precisa escalar para momentos mais explícitos de terror, revela limitações. Os efeitos práticos e digitais não são convincentes. Para ser sincero, os efeitos são muito ruins, e o que deveria assustar vira somente cena de filme trash, que não traz medo.

Vale a pena assistir “Bom Menino”?
Bom Menino é um filme interessante, com uma premissa boa. De certa forma ele possui uma boa direção de arte, efeitos sonoros interessantes e o principal que é a história focada sob o ponto de vista do cachorrinho “Indy”. Nínguem quer que ele sofra. Ninguém quer ver um animal triste ou sofrendo. Entretanto, a falta de profundidade no roteiro, a estrutura por vezes repetitiva e a decisão de não arriscar mais em termos narrativos impedem que a obra atinja um patamar acima da média. É um filme simpático para quem gosta de terror contido e de premissas curiosas e para quem aprecia ver um cachorrinho assustador na tela, mas não vai redefinir o gênero.
Por fim, Bom Menino é só um “Filme de categoria C”, ou seja, de baixíssimo orçamento e qualidade de produção inferior, que teve sorte de fazer sucesso pelo fato do protagonista do filme de terror ser um cachorrinho fofo.
Bom Menino estréia 30 de outubro nos cinemas.
═════════════════════════════════════════════════════════════
🩸 Para mais textos, análises e notícias sombrias sobre o mundo do terror, siga o Geek Sinistro nas redes sociais e não perca nenhuma novidade arrepiante.
Crédito da capa: Divulgação / Ben Leonberg
