CIDADE; CAMPO é um filme que nos arranca da rotina e nos convida a caminhar entre dois mundos, o urbano e o rural, revisitando questões profundas e atuais que ressoam com a realidade brasileira. Sob a direção de Juliana Rojas, essa obra nos leva a refletir sobre as cicatrizes deixadas por tragédias ambientais e os desafios de reconstruir vidas em um cenário de incerteza.

A história: do campo à cidade

O filme, dirigido e roteirizado por Juliana Rojas, é dividido em duas partes distintas, mas interligadas. No início, somos apresentados a Joana, que chega a São Paulo com a esperança de recomeçar sua vida. Ela, vítima de um rompimento de barragem de rejeitos de mineração, perdeu tudo: casa, trabalho, memórias e lembranças, todas levadas pela lama. Em São Paulo, ela é acolhida por sua irmã e sobrinho, que a ajudam a ressignificar sua vida. Joana encontra um emprego de faxineira por meio de um aplicativo que conecta trabalhadores a serviços temporários.

Essa primeira parte já poderia ser uma obra independente, dada a profundidade das questões abordadas. O Brasil ainda carrega as cicatrizes de dois desastres de barragem em Minas Gerais, e o filme faz um trabalho poderoso ao mostrar que as consequências vão muito além das perdas materiais — elas atingem a alma e a identidade das vítimas. Fernanda Vianna, que interpreta Joana, transmite essa dor com uma intensidade contida, refletida em seu olhar cansado e voz desmotivada. É um retrato íntimo de uma mulher que luta para se reerguer e se reencontrar em meio ao caos.

Outras histórias se entrelaçam à de Joana, como a de sua irmã, que cria o neto como se fosse seu próprio filho, e a do próprio neto, que vive preso a um celular como se fosse um adulto. A exploração da mão de obra por plataformas que prometem autonomia ao trabalhador, mas que, na prática, o exploram, é outro tema abordado com sutileza, assim como os sonhos daqueles que, mesmo na selva de pedra das grandes metrópoles, ainda desejam viver o mundo.

CIDADE; CAMPO
Foto por Cris Lyra

A história: da cidade ao campo

Após a conclusão da história de Joana, o filme nos leva a um novo cenário, acompanhando a vida de Flávia e sua companheira Mara, que se mudam para o campo após Flávia herdar uma fazenda do pai. Aqui, a narrativa ganha uma atmosfera mais lúdica e poética, quase folclórica, enquanto as duas mulheres tentam adaptar suas vidas à nova realidade rural. Elas precisam não só dominar os desafios práticos do campo, mas também lidar com os fantasmas do passado que ainda as assombram.

A relação amorosa e de companheirismo entre Flávia e Mara, interpretadas por Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer, é um dos pontos altos dessa segunda parte. A diretora constrói com sensibilidade a dinâmica entre as duas, mostrando como se apoiam mutuamente em todas as situações. Essa relação, que poderia facilmente ser retratada de maneira superficial, é tratada com a profundidade e o respeito que merece, adicionando camadas emocionais ao enredo.

CIDADE; CAMPO
Foto por Cris Lyra

Montagem e roteiro dosam bem a entrega das histórias

A montagem do filme e a escolha de dividir as histórias entre campo-cidade e cidade-campo podem surpreender e até causar estranheza em alguns espectadores. Embora pareça que estamos assistindo a uma antologia, a sensação é de que Juliana Rojas nos entregou duas obras distintas. Essa estrutura, ao mesmo tempo, corajosa e arriscada, pode deixar alguns com a impressão de que faltou uma conexão mais forte entre as duas narrativas.

Contudo, existe um ponto de conexão sutil entre as histórias, que só se revela para os espectadores mais atentos. Essa decisão de manter a ligação entre as duas partes discreta é inteligente, mas pode passar despercebida por muitos.

Por fim, o roteiro apresenta um ritmo lento em algumas partes e, em certos momentos, parece não alcançar todo o potencial da narrativa. Talvez faltasse um pouco mais de ousadia na execução, principalmente na primeira parte da história. Apesar disso, CIDADE; CAMPO é um filme que oferece uma experiência reflexiva e profunda, abordando temas relevantes de forma cuidadosa, ainda que fique a sensação de que poderia ter ido um pouco além.