Possivelmente você chegou nessa crítica devido ao filme fofo do cahorrinho, mas esse é melhor ainda

De cara já percebemos uma estranha familiaridade, o título Good Boy (2022) é o mesmo do filme de terror que está fazendo bastante sucesso, o do cachorrinho fofo na casa assombrada. Porém, esta obra vai no sentido completamente oposto. Em vez de fofura, temos algumas bizarrices e um conceito bem diferente, mais voltado para o “terror durante o dia”, sem lugares estranhos, com ambientes limpos e muito claros.

Good Boy (2022) é um filme de terror norueguês psicológico/suspense do diretor e roteirista Viljar Bøe que explora os limites do estranho e do perturbador no espectador. Diferente do filme “Bom Garoto”, o cachorro não abana o rabo ele parece guardar segredos que fazem a realidade vacilar. No elenco temos Gard Løkke como Christian, o aparentemente perfeito pretendente, e Katrine Lovise Øpstad Fredriksen como Sigrid, a estudante que se vê atraída por ele. Além disso, temos Nicolai Narvesen Lied como Frank, o “cachorro humano” que vive com Christian e atua como um cão de estimação.

História de “Good Boy”

Good Boy 2022 foto 3
Crédito: Divulgação

Sigrid, uma jovem estudante, acredita ter encontrado o par ideal quando aceita conhecer Christian, um milionário charme incomum que mora em uma mansão isolada. Tudo parece perfeito até ela descobrir que seu “cão de estimação” Frank é, na verdade, um homem adulto vestido e cúmplice de Christian nessa dinâmica incompreensível. Enquanto Sigrid tenta racionalizar o que está diante dos seus olhos, aceitação, curiosidade ou fascinação pela novidade, vai percebendo que existe uma camada de poder, controle e manipulação escondida sob o verniz de normalidade.

À medida que ela se envolve mais profundamente, a mansão e a relação se transformam em um espaço de tensão quase claustrofóbica. O que parecia ser uma simples experiência excêntrica vira uma espiral de horror psicológico onde as decisões de Sigrid, os gestos de Frank e as ações de Christian convergem para algo imprevisível. A narrativa acompanha, então, não apenas a revelação do mistério, mas o desdobrar de suas consequências para quem está no centro dessa dinâmica. Os momentos finais do filme são surpreendentes e bastante perturbadores.

LEIA TAMBÉM: Crítica | “Bom Menino” tenta ser assustador, mas não late e nem morde

Um conto romântico com algo errado

Good Boy começa quase como uma comédia romântica indie, com aquela estética charmosa e vibrante que traduz o encanto dos primeiros encontros. As cores suaves e a atmosfera sonhadora mascaram o que está por vir, mas algo soa errado desde o início. Há sempre uma nota dissonante de desconforto, especialmente quando Frank surge em cena, um elemento que quebra a doçura das interações entre Christian e Sigrid e planta a semente do estranhamento.

A partir daí, o diretor Viljar Bøe arranca o chão sob nossos pés. A narrativa faz uma curva brusca rumo ao inesperado, mergulhando no universo do BDSM e da submissão psicológica, onde Sigrid tenta compreender o “jogo de cachorrinho” entre Christian e Frank, um jogo que ele insiste ser consensual e inofensivo. Mas é aí que a máscara cai. O diretor mantém o público em constante desequilíbrio, revelando camadas cada vez mais sinistras conforme o filme avança. Mesmo depois do choque inicial de cada reviravolta, o que fica é a tensão densa e opressora, reforçada por visuais meticulosamente desconfortáveis e pela entrega intensa do elenco, que transforma o absurdo em puro pesadelo psicológico.

Good Boy 2022 foto 1
Crédito: Divulgação

Ousadia com orçamento baixo

Viljar Bøe traz em Good Boy uma proposta bem ousada com uma estreia de baixo orçamento (apenas US$ 8.500), mas muito bem feita. A direção aposta em enquadramentos desconcertantes, silêncio prolongado e deslocamento visual para construir desconforto. Bøe instaura regras próprias em seu roteiro, e traz um homem fantasiado de cachorro e uma convivência estranha, esperando que o espectador acompanhe o mal-estar antes de tentar compreendê-lo. Essa estratégia funciona bem de certa parte, mas há momentos em que a lógica interna do filme vacila. Assim, o primeiro ato cria uma tensão forte, um desconforto. Entretanto, quando eles chegam na casa de férias no segundo ato, temos uma perda de fôlego. As coisas mudam bastante, e o que era somente uma tensão mergulhar em clichês de terror e pula para a questão da violência e do cárcere.

A combinação do humor ácido, absurdo e terror psicológico é interessante, e o filme claramente quer provocar, mas isso também significa que o público precisa estar disposto a abraçar a estranheza e a tolerar uma narrativa que não oferece todas as respostas ou lógica convencional. Sinceramente é um filme que precisa de ter estômago, e nem todo mundo tem estômago para isso.

Desconforto em cada quadro

Good Boy 2022 foto 2
Crédito: Divulgação

Gard Løkke como Christian entrega um personagem que parece perfeito, lindo, rico, delicado. Com seu sorriso controlado, esconde a manipulação que emana sua convivência com Frank. Katrine Lovise Øpstad Fredriksen em Sigrid equilibra vulnerabilidade e curiosidade, com momentos em que sua atuação transmite desconforto puro. Nicolai Narvesen Lied em Frank, então, é o elemento principal do filme. O homem-cão funciona como metáfora viva de submissão, animalização e relação distorcida. A química disfuncional entre os três é o que sustenta o horror do filme. Por mais que exista toda uma cultura furry, de pessoas que se fantasiam de animais, no filme isso é totalmente desconfortante.

No aspecto técnico, a fotografia tem uma paleta fria e ambientes minimalistas acentuam o desconforto. Temos o silêncio, a espera, o som de patas rastejando no chão. O design da mansão e os ambientes internos trazem essa atmosfera de isolamento, de cárcere. Há poucos sustos repentinos, o terror vai se acumulando e a câmera muitas vezes não mostra determinadas coisas, deixando a mente visualizar o pior.

Vale a pena assistir “Good Boy”?

Se você está disposto a uma experiência de terror diferente, desconfortável e que desafia expectativas, Good Boy é uma proposta que merece ser vista. Ele traz uma premissa ousada e um peso psicológico de uma fábula sobre controle, dependência e identidade. No entanto, se você espera explicações claras, lógica linear ou sustos eficazes o tempo todo, pode acabar frustrado pela segunda metade do filme, que cedeu um pouco ao convencional.

Em resumo, Good Boy é recomendado para quem gosta de horror minimalista, com atmosfera e ideias perturbadoras, mais do que gore ou ação desenfreada. Pode não agradar a todos, mas oferece algo diferente, e isso, por si só, já o torna relevante.

Good Boy está disponível na Prime Video, via complemento de assinatura.

Crédito da capa: Reprodução