Com o lançamento de “Monstro: A História de Ed Gein”, nada melhor do que revisitar um dos filmes citados na série

Em 1974, Tobe Hooper lançou um dos filmes mais brutais, viscerais e influentes da história do terror. O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre) é uma obra-prima bizarra, uma mistura insana de realismo sujo e simbolismo social. Inspirado nas atrocidades do assassino Ed Gein, o longa se tornou um marco do gênero slasher, e até hoje é uma experiência que desafia o público, não apenas pelo sangue, mas pela sensação quase documental de loucura e podridão humana.

O chocante minimalismo de Hooper surgiu apenas 14 anos após o refinado Psicose, de Hitchcock, também inspirado em Gein. Enquanto Psicose era elegante e psicológico, O Massacre da Serra Elétrica é o oposto, sendo cru, febril e enlouquecedor. Hooper trocou o suspense calculado por uma câmera que respira o mesmo ar fétido de suas vítimas.

A História

O filme segue um grupo de jovens que viaja até uma remota região do Texas para visitar o túmulo de um parente, após rumores de profanações de cadáveres na região. No caminho, eles pegam um caroneiro perturbador, uma cena que já deixa claro que o inferno está logo ali. Pouco depois, o grupo chega a uma velha casa isolada e, sem saber, cruza o caminho de uma família de psicopatas liderada pelo icônico Leatherface, um homem mascarado que empunha uma motosserra.

Sem recorrer a exageros, Hooper cria uma atmosfera de horror crescente. O primeiro assassinato acontece de forma seca, sem trilha sonora, sem aviso. O silêncio é mais aterrorizante do que qualquer grito. A sequência final, com Sally (Marilyn Burns) fugindo sob o sol, gritando e coberta de sangue é uma das cenas mais impactantes do cinema. Não há redenção, só a luz do dia revelando o pesadelo.

O Massacre da Serra Elétrica foto 1
Crédito: Reprodução

O caso real e a série “Monstro: A História de Ed Gein”

Ed Gein foi um dos criminosos mais chocantes dos Estados Unidos. Entre 1947 e 1957, ele assassinou mulheres e desenterrava cadáveres em Wisconsin, usando pele humana para confeccionar roupas e objetos domésticos. Seu caso inspirou não só O Massacre da Serra Elétrica, mas também Psicose e O Silêncio dos Inocentes.

Hooper, porém, foi além da história real. Ele usou Gein como ponto de partida para explorar a desintegração da civilização. A fazenda de Leatherface é um retrato do inferno americano: uma família que perdeu o senso de moralidade, isolada e sobrevivendo de restos. O horror é tão psicológico quanto físico.

Considerando o lançamento recente de Monstro: A História de Ed Gein, nada melhor do que revisitar O Massacre da Serra Elétrica, uma das obras que mais distorceram o caso real em arte. A série documental explora a mente doentia de Gein com frieza clínica. Já Hooper transforma a inspiração em mito popular, trazendo um conto doentio sobre o colapso moral da América rural.

Enquanto Monstro tenta compreender o assassino, Massacre não quer explicar nada. Leatherface é puro instinto, uma criatura que encarna a repressão, a fome e a insanidade coletiva. Se Gein foi o “açougueiro de Plainfield”, Hooper o transformou em um reflexo bizarro da própria humanidade, um pesadelo mítico.

O Caos Calculado de Tobe Hooper

O Massacre da Serra Elétrica foto 2
Crédito: Reprodução

Tobe Hooper faz aqui um milagre com um orçamento minúsculo. Sua direção é precisa, suja e incômoda. Ele abandona o glamour dos filmes de estúdio e abraça o realismo quase documental.

Hooper mostra aqui o domínio do terror psicológico e físico. Ele não precisa de sustos baratos. Ou seja, ele prefere deixar a câmera parada tempo demais, forçando o público a encarar o desconforto. A fotografia granulada e o uso de luz natural criam uma estética quase documental, dando a sensação de que aquilo realmente poderia ter acontecido.

O roteiro, coescrito com Kim Henkel, é minimalista, mas funciona como uma espiral descendente para o caos. Não há explicações, apenas acontecimentos, mas a escolha é proposital. Cada diálogo parece ecoar o vazio de um mundo sem lógica, onde o horror não precisa de explicação. É uma experiência sensorial, mais próxima de um pesadelo do que de uma narrativa tradicional. É sinceramente, me trouxe muito desconforto. Eles estão lá, as coisas acontecem e fim. Sem nenhuma explicação ou motivação.

Quando a Câmera Também Grita

Marilyn Burns como Sally foto 2 O Massacre da Serra Elétrica
Marilyn Burns como Sally. Crédito: Reprodução

Marilyn Burns entrega uma atuação lendária como Sally Hardesty. O terror em seu rosto, bem no clímax do filme é uma das imagens mais marcantes do cinema. Gunnar Hansen, como Leatherface, cria uma criatura ao mesmo tempo, bizarra e trágica. Não há humanidade nele, mas há algo estranhamente infantil, o que o torna ainda mais assustador. E Isso nos lembra diretamente Ed Gein.

A fotografia de Daniel Pearl, é suja, abafada, quase tátil. Dá para sentir o calor, o cheiro e o desespero. Para quem tem estômago mais sensível, poderá ficar bastante enojado. A câmera trêmula e os closes excessivos criam um clima de claustrofobia constante. É como se o espectador também estivesse preso naquela casa infernal.

Vale a pena assistir?

Sem dúvida. O Massacre da Serra Elétrica é uma experiência única, uma obra bizarra. É sujo, desconfortável e absolutamente essencial. Hooper capturou o horror não como fantasia, mas como realidade e talvez seja isso que o torna tão eterno.

Dessa forma, mesmo meio século depois, continua sendo uma das representações mais autênticas do medo puro. Se Psicose é o horror refinado da mente, Massacre da Serra Elétrica é o grito cru do corpo. É o pesadelo americano em forma de cinema.

Credito da capa: Crédito: Second Sight Films / Adaptação