Os Canibais mistura survival horror, gore, body horror e crítica social em um filme onde seres humanos são animais de abate

Os Canibais (The Farm) é um filme de terror independente lançado em 2018, escrito e dirigido pelo cineasta sueco Hans Stjernswärd. A produção aposta em uma narrativa direta e perturbadora. Ao misturar elementos de survival horror, gore, e body horror, o longa constrói um cenário sufocante em que seres humanos são tratados como animais de abate. Na teorica uma ótima crítica social, mas será que, na prática funciona?

No elenco, destaque para Nora Yessayan (The Armenian Genocide), que interpreta Nora, e Alec Gaylord, no papel de Alec, o casal protagonista. O filme conta ainda com participações de Ken Volok, Rob Tisdale e Kelly Mis. Com uma produção de baixo orçamento, The Farm se apoia na atmosfera crua, na violência explícita e no tom alegórico de seu roteiro para entregar uma experiência impactante. A proposta de Stjernswärd revela sua intenção de usar o terror não apenas como espetáculo sangrento, mas também como metáfora social.

Um filme de terror incômodo e com clichês

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Cena do filme Os Canibais. Crédito: Hans Stjernsward / Reprodução.

Os Canibais é aquele tipo de terror que não se contenta apenas em assustar ou chocar. Ele quer cutucar, incomodar e, principalmente, provocar reflexão. O filme tem uma fórmula bem clichê, com um casal que, após parar em uma pousada isolada, cai nas mãos de uma comunidade rural sinistra que trata seres humanos como animais de abate. É a partir dessa inversão grotesca que o filme constrói tanto seu horror quanto sua crítica social.

O roteiro é cru e age de forma bem direta. Temos praticamente uma parábola sangrenta. Só que em vez da mensagem ser transmitida de forma indireta, ela é de fato bem direta. Ao transformar pessoas em gado, o longa expõe uma metáfora incômoda sobre a indústria da carne e a forma como a sociedade normaliza a exploração e a crueldade contra seres vivos.

A brutalidade das imagens não é gratuita. Dá para perceber a intenção do diretor em gerar desconforto. Cada cena de aprisionamento, abate ou tratamento desumanizado serve para inverter o olhar do espectador. No entanto, por ser tão seco e pouco interessado em desenvolver personagens, o filme corre o risco de afastar quem busca uma narrativa mais complexa ou emocionalmente envolvente.

Estética suja e claustrofóbica

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Cena do filme Os Canibais. Crédito: Hans Stjernsward / Reprodução.

Visualmente, o filme possui uma estética suja e claustrofóbica. Isso contribui para intensificar toda uma sensação de mal-estar. A fotografia não é vibrante e junto com a trilha sonora quase inexistente e a violência gráfica, o filme coloca o público de frente com o indigesto. Dessa forma, Os Canibais se destaca não no entretenimento fácil, mas na tentativa de fazer do terror uma forma de crítica. É lógico que eu não vou deixar de ser carnívoro por causa de um filme. Entretanto, o filme traz toda uma reflexão sobre como os animais são tratados e criados para satisfazer as necessidades humanas.

Certamente há momentos em que a obra exagera no gore, com muito sangue e coisas nojentas, o que acaba por diluir o impacto reflexivo. Entretanto, temos que lembrar que o filme é de terror e precisa de seguir alguns padrões para chamar à atenção. Já em relação ao elenco, temos atuações medianas, sem nenhum tipo de destaque.

Outro ponto interessante, é que todos os humanos que trabalham na “fazenda” e que fazem a criação dos humanos usam máscaras de animais. Assim, a crítica fica bem escancarada. É como se os animais tivessem em uma revolução, e invertido o papel. São eles que tratam os humanos como meros produtores de leite e carne.

Metáfora perturbadora para expor o lado cruel e desumano da sociedade

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Cena do filme Os Canibais. Crédito: Hans Stjernsward / Reprodução.

Assim como em A Revolução dos Bichos, de George Orwell, “Os Canibais” também usa uma metáfora perturbadora para expor o lado cruel e desumano da sociedade. Em Orwell, os animais assumem o papel dos humanos para revelar as contradições e abusos do poder político. Já em “Os Canibais“, ocorre uma inversão parecida onde os humanos passam a ser tratados como gado, servindo como um choque brutal sobre como a vida animal é banalizada pela indústria alimentícia.

Ambos funcionam como alegorias de sistemas de opressão. Enquanto Orwell denuncia a corrupção de ideologias e a manipulação de massas, Hans Stjernswärd utiliza o terror gráfico para provocar desconforto e fazer o espectador refletir sobre hábitos de consumo e ética. No fundo, ambos revelam que a linha entre civilização e barbárie é bem mais fina do que gostamos de acreditar.

Curiosidades do filme

  • Os Canibais foi a estreia de Hans Stjernswärd na direção de um longa-metragem. Antes disso, ele tinha experiência apenas com curtas, e já demonstrava interesse em usar o terror como metáfora social.
  • O filme teve orçamento bastante limitado, o que obrigou a equipe a apostar em locações reais e efeitos práticos simples, resultando em uma estética mais crua e perturbadora.
  • Em exibições de festivais de cinema independente, The Farm dividiu opiniões: enquanto alguns o consideraram ousado por suas metáforas sociais, outros criticaram o excesso de violência gráfica.
  • O diretor já declarou que o longa é uma provocação sobre como os humanos tratam os animais na indústria alimentícia. A inversão de papéis, com humanos sendo tratados como gado, é a chave dessa metáfora.
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Cena do filme Os Canibais. Crédito: Hans Stjernsward / Reprodução.

Vale a pena assistir “Os Canibais”?

Os Canibais é um filme divisivo. Ele pode ser visto apenas como um terror pesado e repulsivo ou então como um espelho distorcido que denuncia nossa relação hipócrita com o consumo e a violência cotidiana.

A produção cumpre o papel de mostrar como o cinema de terror independente pode ir além do susto, trazendo assuntos relevantes e servindo como um soco moral travestido de pesadelo gore.

Os Canibais está disponível no Prime Video.

Crédito da capa: Hans Stjernsward / Adaptação