Até que ponto o mal pode morar dentro de alguém comum?

Considerando o lançamento recente de “Monstro: A História de Ed Gein”, nada melhor do que revisitar um dos filmes que foram citados na série e que nasceu diretamente da mente doentia desse assassino real. É fato que poucos filmes na história do cinema podem ser chamados de divisores de águas, e Psicose (1960) é um deles.

Com direção do mestre do suspense Alfred Hitchcock e roteirizado por Joseph Stefano, o longa adaptou o romance homônimo de Robert Bloch, criando uma das experiências mais aterrorizantes e impactantes do século XX. A produção foi ousada desde o início, com filmagem em preto e branco, orçamento modesto e equipe de televisão. Entretanto, o resultado foi um marco na linguagem do cinema de terror e na psicologia do público. Estrelam o elenco Anthony Perkins, Janet Leigh, Vera Miles, John Gavin e Martin Balsam.

Na época de seu lançamento, em 1960, o público ficou em choque. Surpreendentemente, as filas se formavam nas portas dos cinemas, e Hitchcock ordenou que ninguém entrasse após o início da sessão, uma estratégia de marketing sensacional.

A História de Ed Gein

Ed Gein, o “açougueiro de Plainfield”, foi um dos criminosos mais perturbadores da história dos Estados Unidos e serviu de inspiração para personagens como Norman Bates (Psicose), Leatherface (O Massacre da Serra Elétrica) e Buffalo Bill (O Silêncio dos Inocentes). Nascido em 1906, em Plainfield, Wisconsin, Gein cresceu isolado sob a influência opressiva da mãe, Augusta, uma fanática religiosa que via o mundo como um antro de pecado. Após a morte dela, Ed mergulhou na solidão e desenvolveu uma obsessão doentia em trazê-la “de volta à vida”.

Em 1957, a polícia descobriu em sua fazenda um cenário macabro: restos humanos usados como móveis e decorações, máscaras feitas de pele e objetos moldados a partir de corpos mutilados. Além de assassinar, Gein desenterrava cadáveres para fabricar seus “artesanatos” grotescos, tentando recriar o corpo de sua mãe. Considerado insano, ele passou o resto da vida em um hospital psiquiátrico até morrer em 1984. Seu caso chocou o mundo e redefiniu o horror moderno, transformando sua história em uma das mais sombrias e influentes da cultura do terror.

O reflexo de Gein no espelho de Hitchcock

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Crédito: Reprodução

Psicose levou para o cinema o fascínio mórbido pela mente criminal, com livre inspiração no caso real de Ed Gein. Assim como Gein, Norman Bates vivia isolado, preso à figura materna e obcecado pela morte. Mas Hitchcock, em vez de reproduzir os fatos brutais, transformou a história em uma parábola sobre repressão, culpa e identidade fragmentada. Onde Gein era grotesco e rural, Norman é refinado e quase inocente e é exatamente isso que torna seu horror tão humano e perturbador. Certamente Hitchcock não queria um monstro explícito. Ou seja, ele queria um homem comum, e essa escolha mudou para sempre o modo como o cinema enxerga o mal. Até as pessoas mais doces e inocentes, podem ser cruéis. O mal está em todo lugar.

A trama começa com Marion Crane (Janet Leigh), uma secretária que decide fugir com uma grande quantia de dinheiro roubada de seu empregador. Durante a fuga, ela se hospeda no isolado Bates Motel, administrado pelo aparentemente tímido e educado Norman Bates (Anthony Perkins), um jovem com uma estranha devoção à sua mãe dominadora.

Técnica e narrativa em perfeita sintonia

Temos um roteiro e uma direção que caminham em uma harmonia sensacional. Hitchcock manipula o tempo, o silêncio e a montagem com uma maestria milimetricamente planejada. A forma como ele executa a cena mais famosa do filme, que é a do banheiro, consegue chocar sem mostrar de fato a faca penetrando na carne. O roteiro de Stefano, por sua vez, equilibra o suspense e o drama humano. O filme nunca explica demais, ele instiga, deixando o público desconfortável e cúmplice de tudo.

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Crédito: Reprodução

Hitchcock brinca com o olhar do espectador, ele primeiro nos faz identificar com a ladra Marion, depois com o assassino Norman. É quase um jogo de empatia e repulsa. Tudo no filme tem um propósito, até mesmo as partes silenciosas. Não é a toa que o filme é estudado até hoje. Psicose é uma aula de técnica e uma dissecação da mente humana.

Elenco e fotografia impecáveis

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Crédito: Reprodução

Anthony Perkins é o coração e o abismo do filme. Seu Norman Bates é frágil, educado, mas guarda nos olhos uma solidão que beira a loucura. A maneira como ele alterna ternura e ameaça é de uma precisão assustadora, não à toa, ficou marcado para sempre pelo papel. Janet Leigh, por outro lado, entrega uma performance que é pura tensão. Sua Marion é humana, cheia de culpa, e sua cena final marcou o cinema. As atuações do restante do elenco também são muito boas, mas é a química entre Perkins e a câmera de Hitchcock que realmente define o filme.

A trilha sonora de Bernard Herrmann, com seus violinos agudos e cortantes, virou um hino do terror psicológico. Além disso, a fotografia em preto e branco, assinada por John L Russell, reforça a atmosfera claustrofóbica e moralmente ambígua da história. As sombras, os ângulos inclinados e o uso dramático da luz, cada detalhe visual amplifica o desconforto Isso tudo.

Vale a pena assistir Psicose?

Em suma, Psicose não é apenas um filme de terror, é uma experiência cinematográfica completa. Hitchcock reinventou o gênero, redefiniu o papel do vilão e ensinou o público a temer o cotidiano. Assim, com roteiro impecável, direção visionária, atuações memoráveis e uma das trilhas mais famosas de todos os tempos, o longa continua sendo, 65 anos depois, um estudo brilhante sobre o medo, a culpa e a insanidade humana.

Psicose está disponível no Telecine Premium.

Crédito da capa: Reprodução / Adaptação