O documentário Encantadora de Tubarões reacende o debate sobre como unir conservação marinha, ciência e influência digital

Encantadora de Tubarões (Shark Whisperer) estreou nesta segunda-feira (30) no catálogo da Netflix. O documentário tem como foco Ocean Ramsey, a mergulhadora havaiana que ganhou fama mundial por nadar sem proteção ao lado de grandes tubarões.

A produção, dirigida por James Reed, Harrison Macks e JP Stiles, vai além das imagens espetaculares. Ela provoca, confronta e obriga o espectador a refletir: até que ponto a exposição extrema pode realmente contribuir para a conservação de uma espécie?

Entre empatia e controvérsia: o impacto de Ocean Ramsey na defesa dos tubarões

Crítica - Encantadora de Tubarões
Ocean Ramsey desafia estereótipos ao nadar lado a lado com tubarões gigantes | Foto: oceanramsey.org/Divulgação

Ocean Ramsey cresceu cercada pelo oceano no Havaí e desenvolveu uma conexão precoce com a vida marinha. Ao longo dos anos, essa conexão se transformou em ativismo e, mais recentemente, em influência digital.

Nos vídeos que circulam pelas redes sociais, ela surge mergulhando com tubarões-brancos e tigres, acariciando-os e, muitas vezes, interagindo de maneira que desarma a imagem aterrorizante dessas criaturas.

Segundo ela, suas técnicas de “redirecionamento” dos animais foram inspiradas em treinamentos com cavalos e arraias, permitindo manter uma convivência segura mesmo em encontros próximos com predadores.

“Não protegemos aquilo que não amamos, e não amamos o que tememos”, diz a ativista em um dos momentos mais marcantes do documentário. A frase resume sua motivação: construir empatia entre humanos e tubarões, criaturas frequentemente vistas como monstros, mas que, na realidade, exercem papel essencial no equilíbrio dos ecossistemas marinhos.

Como predadores de topo, os tubarões regulam a cadeia alimentar dos oceanos. No entanto, sua existência está sob constante ameaça: todos os anos, milhões deles são mortos pela pesca predatória, especialmente pela cruel prática que retira suas nadadeiras para consumo e descarta o restante do corpo no mar.

Nesse sentido, o documentário cumpre uma função importante: apresentar os tubarões sob uma nova ótica, humanizada e urgente. Ao mesmo tempo, ele expõe as tensões entre ciência e espetáculo.

O legado da Encantadora de Tubarões: entre ciência, espetáculo e ativismo

Contudo, a popularidade de Ocean não veio sem críticas. Muitos biólogos marinhos apontam que suas ações, embora bem-intencionadas, podem reforçar comportamentos artificiais nos animais, comprometendo o equilíbrio da vida marinha. Outros alertam para o risco de que leigos tentem repetir suas práticas, colocando suas vidas e a dos próprios tubarões em perigo.

Encantadora de Tubarões não ignora essas críticas. Ao contrário, a produção traz especialistas que ponderam os prós e contras da abordagem adotada por Ocean.

Há quem a defenda, dizendo que ela serve como um canal de entrada para o engajamento com causas ambientais. Mas há quem veja na sua atuação um desejo de protagonismo que ultrapassa os limites do bom senso, especialmente quando vidas humanas e animais estão em jogo.

Em entrevistas e falas presentes no documentário, Ocean afirma que nunca promoveu suas ações como seguras para o público em geral, e que todo o trabalho realizado é pautado por conhecimento técnico, anos de estudo e respeito profundo pelos animais.

Crítica - Encantadora de Tubarões
A ativista levanta debates sobre ativismo, ciência e espetacularização | Foto: Juan Oliphant/OneOceanDiving

Quando o ativismo vira espetáculo

A narrativa de Encantadora de Tubarões se desenrola entre belas imagens subaquáticas, tensões éticas e depoimentos que revelam o lado mais humano de uma mulher que acredita estar lutando por algo maior. São 90 minutos que equilibram estética e conteúdo, emoção e provocação.

Ao final, o documentário propõe uma questão maior do que Ocean Ramsey: como se comunicar em tempos de redes sociais, viralizações e narrativas instantâneas? Como equilibrar o ativismo com a responsabilidade científica? E, principalmente, como inspirar mudanças reais sem transformar causas em marcas pessoais?

Encantadora de Tubarões é, sem dúvida, uma produção impactante, e polêmica. Pode ser vista como um tributo ao poder da conexão entre espécies, ou como um alerta sobre os riscos da espetacularização da natureza. Mas, acima de tudo, é um convite ao debate. Em uma era em que o futuro dos oceanos está cada vez mais ameaçado, questionar, refletir e agir nunca foi tão urgente.

Vale a pena assistir Encantadora de Tubarões?

Se você se interessa por meio ambiente, vida marinha e pelos dilemas éticos em torno da divulgação científica nas redes sociais, Encantadora de Tubarões certamente merece sua atenção.

Além disso, o documentário se destaca por sua estética impactante e pela figura magnética de Ocean Ramsey, que conduz o espectador por uma jornada emocional entre coragem, controvérsia e conservação.

A direção tem acertos importantes, especialmente ao mostrar a delicadeza do contato entre humano e tubarão, mas às vezes cede espaço demais à idealização da protagonista. A montagem e a trilha sonora contribuem para manter o ritmo, ainda que de forma mais funcional do que memorável.

Já a fotografia é, sem dúvida, o grande trunfo do filme: traduz em imagem a vastidão, o mistério e a beleza do oceano. Embora o roteiro não aprofunde com a mesma intensidade todas as críticas levantadas, cumpre o papel de apresentar múltiplas perspectivas sobre o ativismo em tempos de redes sociais.

Em resumo, como dito, vale assistir, nem que seja para formar sua própria opinião sobre essa figura tão admirada quanto contestada. Afinal, em um mundo cada vez mais polarizado, pensar criticamente também é uma forma de preservação.

Imagem de capa: Netflix/Divulgação