A animação dirigida por Célia Catunda mistura estética japonesa e brasileira para retratar identidade, imigração e laços familiares

Eu e Meu Avô Nihonjin”, dirigido por Célia Catunda e produzido pela Pinguim Content, chega aos cinemas em 16 de outubro. A animação apresenta uma proposta incomum no cenário brasileiro ao explorar a história da imigração japonesa no país a partir da relação entre um avô e seu neto.

Inspirado no livro “Nihonjin”, de Oscar Nakasato, vencedor do Prêmio Jabuti de 2012, o longa propõe uma reflexão sobre identidade e herança cultural por meio de uma narrativa simples, porém carregada de significado.

A obra, que combina animação 2D desenhada à mão e trilha sonora original de Márcio Nigro e André Abujamra, aposta na fusão entre o tradicional e o moderno, tanto visual quanto narrativamente.

O resultado é um filme que vai além de revisitar o passado. Ele convida o espectador a reconhecer o peso das origens e a complexidade dos vínculos familiares.

Crítica - Eu e meu Avô Nihonjin
O filme une memória, identidade e herança cultural | Foto: H20 Filmes/Divulgação

Um encontro entre gerações

A trama acompanha Noboru, um garoto de 10 anos que, ao receber um trabalho escolar sobre sua família, procura o avô Hideo, um homem reservado, resistente a falar sobre o passado.

O ponto de partida é familiar e universal: um neto curioso, um avô reticente e uma história de vida escondida entre silêncios. Aos poucos, o que começa como uma simples pesquisa se transforma em uma jornada sobre memória, identidade e reconciliação.

A relação entre Noboru e Hideo ecoa o formato consagrado por animações como “Up – Altas Aventuras”, onde o contraste entre juventude e velhice é motor da narrativa.

Noboru traz leveza e curiosidade; Hideo, o peso da tradição e da saudade. O encontro entre os dois não apenas revela a trajetória da família. Ele também reflete os desafios enfrentados por gerações de imigrantes japoneses no Brasil: deslocamento, discriminação e o difícil equilíbrio entre manter as raízes e adaptar-se ao novo país.

Crítica filme Eu e meu Avô Nihonjin
No filme Noboru descobre muito sobre a história de sua família | Foto: H20 Filmes/Divulgação

A força da estética e da montagem

Um dos maiores trunfos de “Eu e Meu Avô Nihonjin” está em sua estética híbrida, que mistura referências nipônicas tradicionais com elementos visuais da cultura brasileira.

Os traços manuais remetem a pinturas e gravuras japonesas, enquanto os cenários, de fazendas de café, casas rurais e escolas do interior paulista, situam o espectador na história nacional. Essa fusão visual não é mero ornamento: ela sustenta a narrativa e reforça o diálogo entre dois mundos.

A montagem, fluida e ritmada, reforça a natureza contemplativa do filme. O uso de cores quentes e frias conforme o tom das cenas, alegria, tensão ou melancolia, cria uma experiência sensorial coerente com a trajetória emocional dos personagens.

Mesmo sem o brilho digital de produções em 3D, a opção pelo 2D artesanal confere autenticidade e intimismo à obra. A trilha sonora, predominantemente instrumental, alterna instrumentos japoneses com timbres brasileiros, acompanhando o movimento da narrativa sem dominá-la.

Essa simplicidade é proposital: mantém o foco na história e nas emoções sutis dos personagens, evitando o excesso que muitas vezes enfraquece produções do gênero.

Entre humor e emoção

Os coadjuvantes, como os amigos de Noboru e a avó, ajudam a equilibrar o tom do filme, introduzindo momentos de humor e ternura que suavizam as passagens mais introspectivas.

No entanto, alguns diálogos entre as crianças soam artificiais, como se adultos tentassem reproduzir a fala infantil sem a naturalidade esperada. Ainda assim, o roteiro, assinado por Rita Catunda e Oscar Nakasato, consegue manter o ritmo e o interesse, conduzindo o espectador por uma narrativa que cresce em intensidade emocional.

O desfecho é especialmente eficaz. O filme conduz o público a um final emocionante, principalmente para quem tem ou teve uma relação próxima com os avós.

Mais do que revelar segredos familiares, o encerramento oferece reconciliação e entendimento, entre gerações, culturas e versões de si mesmo.

Eu e meu Avô Nihonjin
O filme gira em torno da relação de Noboru e de seu avô | Foto: H20 Filmes/Divulgação

Um retrato da imigração e da identidade

Lançado em um ano simbólico, os 130 anos do Tratado de Amizade entre Brasil e Japão, o longa ganha ainda mais relevância histórica. Além disso, seu maior mérito está na capacidade de traduzir uma história coletiva em uma experiência íntima, aproximando o público de temas como pertencimento e identidade.

Ao contar a saga de uma família, o filme amplia sua narrativa e ganha dimensão coletiva. Ele também aborda o percurso de milhares de descendentes que, entre passado e presente, constroem suas identidades entre dois mundos.

Nesse sentido, “Eu e Meu Avô Nihonjin” não busca o espetáculo, mas sim a empatia. Ele mostra como o passado, mesmo silencioso, molda o presente e, ao mesmo tempo, como as gerações se transformam quando decidem ouvir umas às outras.

Por fim, é um filme que entende a memória como uma herança viva, algo que, ao ser compartilhado, não apenas fortalece os laços familiares, mas também reconcilia diferenças e preserva a história que nos conecta.

Vale a pena assistir “Eu e Meu Avô Nihonjin”?

Sim. A animação dirigida por Célia Catunda é um exemplo de maturidade estética e emocional no cinema nacional. Sua força está na montagem sensível, na direção de arte inspirada e na capacidade de unir culturas sem caricaturas.

Apesar de pequenos tropeços nos diálogos infantis, o longa se sustenta como um retrato honesto da imigração japonesa no Brasil. Também oferece uma visão poética sobre as relações familiares que resistem ao tempo.

Mais do que um exercício de memória, “Eu e Meu Avô Nihonjin” é um convite à escuta dos antepassados, das histórias e de si mesmo. Para quem busca uma animação que emociona sem pressa e reflete sobre pertencimento, é uma experiência que vale ser vivida.

Imagem de capa: H20 Filmes/Divulgação