A Criatura não dá medo, ela sente medo. É uma criança presa num corpo de gigante, subjugada pela arrogância do pai que a criou.
Guillermo del Toro não traz somente monstros, em suas formas mais medonhas, em suas obras. Ele traz um espelho da humanidade. Criaturas que refletem o que a humanidade prefere esconder como a culpa, o medo e os desejos mais secretos. Com Frankenstein (2025), o diretor mexicano finalmente realiza seu sonho de infância que é revisitar o romance de Mary Shelley com a sensibilidade gótica e melancólica que sempre pulsou em sua obra.
O resultado é um filme de terror trágico e sublime, mais interessado na dor de existir do que no susto. É o Frankenstein que Shelley sonhou e que só Del Toro poderia ter dado vida. Lembrando que ele já fez uma releitura de “O Monstro da Lagoa Negra”, outra monstro da Universal. Será qual a próxima adaptação de del Toro?
Frankenstein traz Oscar Isaac (Duna) como Victor Frankenstein, Jacob Elordi (Saltburn) como o Monstro, Mia Goth (MaXXXine) como Elizabeth Lavenza e Christoph Waltz (Bastardos Inglórios) como Dr. Pretorius. O elenco ainda conta com Felix Kammerer, Lars Mikkelsen, David Bradley, Christian Convery, Ralph Ineson e Charles Dance.
O criador e o filho

Nessa nova versão, Victor Frankenstein (Oscar Isaac) é menos um cientista louco e mais um homem obcecado por negar a morte. Ele vê na ciência uma maneira de corrigir o universo e de expiar o próprio fracasso. Del Toro filma Victor com uma aura quase religiosa. Victor é um homem de jaleco e muito delírio, que acredita ser capaz de fazer o impossível não por vaidade, mas por solidão.
Do outro lado, sua criação, a Criatura (Jacob Elordi), nasce com olhos infantis e corpo de colosso. Del Toro evita o grotesco. Seu monstro é belo, trágico e inocente. Há algo de sagrado em sua fragilidade. Quando ele tenta tocar o rosto de Victor pela primeira vez, o gesto é mais comovente que qualquer milagre.
Certamente muitas pessoas estranharam a Criatura não ser bizarra. Mas convenhamos, ele foi criado com partes de outros humanos. Não teria sentido, por mais que eu ache a forma original legal, um monstro gigantesco, com cabeça meio quadrada e parafusos no pescoço.
A poesia do grotesco…

Tudo em Frankenstein parece pulsar, paredes, máquinas, até o próprio silêncio. É impressionante o que Del Toro faz com o filme. O diretor de fotografia Dan Laustsen, parceiro de longa data, constrói um espetáculo visual que mistura gótico vitoriano e decadência industrial. A cada plano, há uma dualidade onde o belo e o grotesco convivem, como se o filme inteiro fosse costurado com os mesmos fios da criatura.
A direção de arte é impecável. O laboratório parece vivo, cada tubo, cada costura, cada luz cintilante tem significado. Assim também são os figurinos de Kate Hawley. Todos muito bonitos, bem elaborados, e certamente possuem um valor simbólico na produção. Sugiro até uma indicação ao Oscar de melhor figurino.
Del Toro cria um mundo que apodrece em beleza. A natureza é cinza, o céu é doente, e mesmo assim, há uma certa esperança, como se o amor, mesmo torto, ainda pudesse resistir à morte. Quem não gostaria de viver no mundo de Del Toro?
…com um elenco que se entrega de corpo e alma
Oscar Isaac faz de Victor um homem em ruínas. Seus olhos carregam culpa e fascínio, é o Prometeu moderno consciente do próprio castigo. Jacob Elordi, gigante e delicado, entrega uma das atuações mais tocantes do ano. Ele dá corpo e alma à criatura, oscilando entre o olhar curioso de uma criança e a raiva de alguém que não pediu para existir. Dessa forma, a Criatura não dá medo, ela sente medo. É uma criança presa num corpo de gigante, subjugada pela arrogância do pai que a criou. O verdadeiro monstro nunca foi ela. Mia Goth é o coração do filme, ela que faz tudo pulsar e ter mais sentido. Sua Elizabeth não é coadjuvante. Estranha e misteriosa de início, ela é o eixo moral, a única que enxerga humanidade onde os outros veem erro.
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O terror da empatia e um monstro para a atualidade
É fato que Del Toro não quer nos assustar em sua versão de Frankenstein, ele quer nos fazer sentir medo de sentir. O terror aqui não é o da morte, mas o da compaixão. É desconfortável perceber o quanto nos identificamos com o monstro.
Del Toro atualiza Shelley sem trair sua essência. Seu Frankenstein fala sobre paternidade tóxica, obsessão científica e solidão. Victor é o reflexo do criador moderno, o homem que quer dominar a vida, mas não sabe lidar com o que cria. É impossível não pensar em inteligências artificiais, clones, algoritmos e outros “filhos” que a humanidade fabrica sem saber como amar.
No fundo, Frankenstein (2025) é uma elegia. Um poema sobre o fardo de criar e o preço de desafiar o natural. O terror é apenas a superfície; por baixo dela, há uma história de culpa, rejeição e busca por pertencimento.
O filme é grandioso em escala, mas íntimo em emoção. A Criatura, interpretada com sensibilidade quase angelical, não desperta medo; desperta compaixão. Ela não é o monstro, é o produto da negligência emocional, uma alma infantil aprisionada em um corpo colossal. E, no olhar dela, vemos o reflexo da humanidade que o próprio Victor Frankenstein perdeu ao tentar superá-la.
Del Toro parece perguntar sobre quem é o verdadeiro monstro, aquele que nasce do erro ou aquele que se recusa a amar o que fez?
Vale a pena assistir Frankenstein (2025)?

Guillermo del Toro não fez apenas um remake, ele ressuscitou a alma do mito. Frankenstein (2025) é um espetáculo visual e emocional sobre o poder e a fragilidade de criar. Um filme que vibra como um coração recém-costurado. Certamente é um grande concorrente ao Oscar 2026. Além disso, ele é uma crítica à sociedade e um alerta sobre as irresponsabilidades do avanço desenfreado das experiências humanas. Até que ponto o homem pode avançar de forma responsável em suas pesquisas? Em um mundo em que a tecnologia evolui mais rápido do que a ética, talvez os verdadeiros monstros já estejam entre nós, criados não em laboratórios góticos, mas em servidores e algoritmos.
Frankenstein (2025) está disponível na Netflix.
Imagem da capa: Netflix / Divulgação
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