Tessa Thompson brilha como a ambiciosa protagonista

Até onde você iria pelo poder e pelo dinheiro? Hedda, novo longa de Nia DaCosta, reflete sobre os limites da liberdade, ambição e ascensão social, especialmente para as mulheres.

Baseado na peça “Hedda Gabler”, de Henrik Ibsen, o filme transporta a história do final do século XIX para os anos 1950. A trama acompanha Hedda (Tessa Thompson), uma socialite recém-casada que organiza uma festa para inaugurar sua nova casa. O que deveria ser uma noite agradável, porém, transforma-se em um campo de batalha quando a anfitriã descobre que Eileen Lovborg (Nina Hoss), seu antigo amor proibido, está disputando o mesmo cargo que seu marido, George Tesman (Tom Bateman).

Entre passado e presente

Cena de "Hedda"
Cena de “Hedda”. Crédito: IMDb/Reprodução

As quase duas horas de filme se passam ao longo de uma única noite. A direção e o roteiro de Nia DaCosta assumem o desafio de prender o público a partir dos acontecimentos de um jantar — um cenário naturalmente limitado para um longa. O resultado é bom, embora não excepcional.

Para trazer mais dinamismo à trama, o roteiro intercala diálogos que revelam, pouco a pouco, o passado e as intenções dos personagens. É uma estratégia interessante, mas confusa. Em alguns momentos, as informações são superficiais e deixam mais dúvidas do que respostas.

Por exemplo: um dos colegas de Lovborg junta-se a Hedda para sabotar o trabalho da escritora. Porém, o que a anfitriã disse para convencer o rapaz a ajudar? O que ele ganhou em troca? São respostas que não temos.

A complexidade de “Hedda”

Tessa Thompson em "Hedda"
Tessa Thompson em “Hedda”. Crédito: Prime Video/Divulgação

Não só a estrutura do filme, mas também a própria personagem Hedda carrega uma ambiguidade que a torna fascinante. Enquanto o roteiro tem a missão de contar o caos de uma noite inteira sem perder o ritmo, a protagonista é o centro gravitacional que sustenta toda a trama. Os outros personagens são, em muitos momentos, apenas peças em seu jogo social.

Porém, ao mesmo tempo em que manipula, Hedda é manipulada. Ela é uma mulher negra e LGBTQIAPN+, com personalidade forte e filha bastarda em uma sociedade ainda profundamente machista e racista. Para sobreviver e ascender socialmente, precisa abrir mão de partes de si, como estar ao lado da mulher que ama, e, em certos casos, ceder a chantagens. Ao tentar escapar das amarras sociais, acaba se aprisionando ainda mais.

Assim, a socialite é sufocada pelas expectativas de seus colegas e marido, pelas ameaças do juíz Brack (Nicholas Pinnock) e por seus próprios desejos, Hedda se torna um retrato complexo de ambição e vulnerabilidade.

E é dessa maneira que Tessa Thompson brilha. Com autoridade, a atriz transmite a complexidade da personagem em sua atuação. Enquanto sua voz e trejeitos são contidos e bem calculados, dignos de uma dama respeitável da sociedade, seus olhos faíscam e transmitem sentimentos intensos, como raiva, inveja e mágoa. Com movimentos sutis, Thompson comunica exatamente o que Hedda pensa sobre cada situação.

A casa como personagem

A direção de arte do longa é belíssima e essencial para a imersão da audiência naquele universo. A trilha sonora elegante, a fotografia com iluminação natural, o figurino e a maquiagem de época se combinam para criar uma atmosfera refinada, resultado de um trabalho bem conduzido.

Aliás, a casa dos Tesman é um espetáculo à parte. A locação torna-se um personagem da trama. É o símbolo do endividamento do casal e o motivo da pressão de George por um bom emprego, o que desencadeia o conflito principal. Além disso, também é o espaço onde tudo acontece. Atrás das cortinas, sabotagens são tramadas. Através de vidros e janelas, vemos silhuetas em momentos de tensão. Assim, Hedda e a casa movem o filme como as duas figuras centrais da narrativa.

Vale a pena assistir “Hedda”?

Sim. “Hedda” traz reflexões sobre o que realmente significa liberdade em uma sociedade dominada por convenções e desejos de poder. É um quebra-cabeça de sedução e controle. Ao longo da trama, vamos encaixando as peças e compreendendo a importância de cada personagem naquele jantar. Apesar de alguns tropeços no ritmo e nas explicações, o filme sustenta o interesse com uma protagonista magnética e um desfecho surpreendente.

Imagem de capa: Parisa Taghizadeh / Prime Video