Com Hollywood no foco, novo drama da Netflix se volta mais para si mesmo que para a complexidade da fama
Dirigido por Noah Baumbach, Jay Kelly chega à Netflix como uma das principais apostas da plataforma para a temporada de premiações. Com Clooney à frente do elenco, o filme explora os bastidores da fama e o preço de viver sob os holofotes.
No centro da história, o astro Jay Kelly (George Clooney) encara a vida e as consequências de anos dedicados à carreira. Ao lado de seu empresário Ron (Adam Sandler), ele embarca em uma viagem pela Europa, onde antigas escolhas voltam à tona e passam a assombrá-lo.
Hollywood revisita seus próprios mitos
Há décadas, Hollywood se dedica a revisitar suas próprias glórias, mitos e fracassos. De “Crepúsculo dos Deuses” a “Cidade dos Sonhos”, a indústria sempre encontrou fascínio em falar de si mesma. O filme de Baumbach insere-se nessa tradição ao mostrar a crise de uma estrela e os efeitos devastadores da fama dentro de Hollywood.
Com toques de comédia, melancolia e nostalgia, Baumbach transforma seu longa em um espelho da própria vida de Clooney ao utilizá-lo como símbolo de fama e culpa. Ele representa com precisão a figura da celebridade que sacrifica vida pessoal, família e autenticidade em nome da carreira. No entanto, o filme abre caminhos demais, mas não escolhe realmente qual deles deseja seguir.
No plano emocional, o filme permanece na superfície, sem mergulhar no caos emocional que um personagem nessa dimensão carregaria. Isso faz com que Kelly, apesar do carisma de Clooney, se torne uma figura com quem é difícil estabelecer verdadeira empatia.
Essa falta de profundidade também afeta quem está ao redor dele. O personagem de Adam Sandler, por exemplo, surge como um dos pontos altos da narrativa, especialmente pela dinâmica afetuosa e tensa que constrói com Clooney. Porém, como o filme abre muitos tópicos e tenta abraçar mais do que consegue desenvolver, essa relação nunca recebe a atenção devida.

Uma narrativa que tropeça em si mesma
Na dimensão formal, o roteiro do longa se apoia em uma construção episódica, marcada por uma cadência irregular que compromete a fluidez da narrativa e faz o filme perder fôlego em diferentes momentos. A transição entre comédia, crítica social e drama existencial nem sempre funciona. Isso porque, em vários momentos, a mudança de tom soa desigual ou forçada, diluindo o impacto da narrativa que Baumbach tenta construir.
Nesse sentido, a reflexão sobre fama e identidade que Baumbach, em tese, coloca no centro do filme acaba “limpa demais”, marcada por clichês e distante do desconforto que um tema como esse deveria provocar. Com isso, a figura de Clooney encarna o arquétipo do astro que sacrificou a família pela fama, vivendo as consequências esperadas (solidão, culpa e crise existencial).
A partir daí, a jornada de Kelly em direção à redenção e a um autoconhecimento tardio soa previsível. Ela repete caminhos já percorridos nesse tipo de narrativa. Falta intensidade ao percurso emocional do personagem, algo distante da carga dramática marcante que Baumbach costuma imprimir em suas histórias, como no impactante “Frances Ha”, escrito ao lado da esposa Greta Gerwig.
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Um filme que não reinventa a roda
“Jay Kelly” é uma obra vaidosa e egocêntrica, mais preocupada em celebrar a nostalgia de Hollywood do que em construir um retrato verdadeiro e original sobre os riscos da fama. O filme se encanta com seus próprios símbolos, referências e autorretratos, mirando o mito da indústria em vez de encarar a complexidade que ele gera.
Contudo, o longa parece ter plena noção de quem não vai reinventar a roda e, de certo modo, se acomoda nessa consciência. Há intenção, há elegância e até momentos (curtos) de sensibilidade, mas tudo permanece em um terreno seguro, incapaz de propor algo realmente novo sobre a temática.
É apenas no desfecho que surge algo que lembra uma verdade emocional. Quando trechos reais da carreira de Clooney invadem a tela e o personagem assiste, em silêncio, ao próprio passado, a fronteira entre ator e figura ficcional se dissolve. Ao ver a plateia encantada e Kelly às lágrimas, o filme parece, enfim, encontrar a humanidade que buscou durante duas horas. É um instante breve, mas potente, em que fama e vulnerabilidade deixam de ser ideias abstratas e ganham um rosto, um peso e uma história que existe para além da ficção.
Imagem de capa: Reprodução/Netflix
Redatora em experiência sob supervisão de Giovanna Affonso.
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