São raras as vezes em que podemos assistir um filme como “Nosso Sonho” e sair do cinema com uma certeza na cabeça. Como crítico sempre tento dosar bem minhas palavras, buscando um equilíbrio entre o sentimento instantâneo de êxtase com o bom senso que vem depois que a obra já se assentou em minha mente.
Mas preciso admitir que dessa vez foi um pouco diferente, e no instante em que terminou o filme, logo após os créditos, eu já sabia que essa crítica aqui já estava pronta para ser escrita e eu iria escrever que esse filme é um dos melhores que eu já assisti.
“Nosso Sonho” entra para um rol de filmes importantes que retratam artistas brasileiros, e na minha opinião debuta lá no topo, junto de “Tim Maia”, “Cazuza – O tempo não para” e “Elis”.
Cinebiografia de Claudinho e Buchecha é um retrato do Brasil que abraça seus sonhos e os vive intensamente apesar da dificuldade
Dirigido por Eduardo Albergaria com Lucas Penteado, Juan Paiva nos papeis principais, o roteiro desse filme é uma aula de história. Não somente a história dos dois jovens de Salgueiro, mas do jovem da periferia, seja ela de qualquer lugar do Brasil. Talvez por isso a identificação tão rápida, talvez por isso o sentimento de intimidade com a dupla.
Mas não só por isso, mas por ser algo recente, por ser algo ainda vivo em nossas memórias. Um belo dia você liga o rádio e escuta “Nosso sonho não vai terminar, Desse jeito que você faz, Se o destino adjudicar, Esse amor poderá ser capaz, gatinha!” ou então “Só love, só love” repetida várias e várias vezes.
Mas agora, nós temos a chance de voltar mais e mais no tempo, quando Cláudio Rodrigues de Mattos, e Claucirlei Jovêncio de Sousa, ainda eram crianças. Entender de onde vieram esses meninos, conhecer a história triste que veio antes do sonho se realizar. E sim, a maioria das histórias inspiradoras começam com desafios, com perturbações, ainda mais em se tratando da vida real das favelas brasileiras. Mas sabe o que realmente me marcou, nesse começo triste? A amizade entre os dois, e a alegria descomunal de Claudinho. Apesar de me recordar bem deles nos programas de TV da época, eu não tinha essa noção de que ele era o cara da fé, era o cara que colocou na cabeça do Buchecha que ele poderia ser um artista.
Além disso, o filme consegue nos mostrar a importância de Claudinho na vida e carreira de Buchecha, algo que transcende a carreira artística. Se alguém ainda tinha alguma dúvida, os meninos são e sempre foram irmãos de coração.
Atuação é destaque importante, e faz a diferença que o filme precisa
Preciso destacar dois pares de atores, Vinicius “Boca de 09” e Gustavo Coelho, que interpretam os cantores na infância, e Lucas Penteado e Juan Paiva na fase Jovem e Adulta.
Lucas e Juan entram de cabeça no projeto, e é impossível não imaginar que eles facilmente poderia ser Claudinho e Buchecha em uma realidade alternativa. Lucas Penteado entrega um Claudinho alto astral, com seus trejeitos, seus sorrisos fáceis, sua maneira engraçada de falar, e o carisma no palco. Já Juan, entrega um Buchecha tímido, preocupado, centrado, mas um artista enorme dentro de um corpo magoado e maltrato pela vida. A atuação desses dois está num patamar acima do que estamos acostumados para o mesmo tipo de Obra.
O elenco completo tira de letra a intenção de nos fazer conhecer a vida de uma das duplas mais importantes do Funk Melody ou Funk Romântico. Lellê, que vive Rosana, esposa de Buchecha, também exala talento, mesmo com poucas cenas. Mas é na figura da velha guarda que encontramos um tesouro, o ator Nando Cunha, que interpreta o pai de Buchecha, uma das figura mais controversas e com um dos papeis mais profundos da trama.
Aqui ele aborda um dos temas mais importantes da vida do ator, a relação com seu pai, que sempre foi problemática. E apesar de falhar em nos contar com mais profundidade esses problemas, resume de maneira satisfatória para o enredo fazer sentido. Afinal de contas a história é sobre a carreira dos dois cantores. O filme peca em outros momentos ao abordar vários momentos com muita superficialidade, e isso acaba deixando ele por alguns momentos em um lugar muito comum entre os filmes assim, a sorte é que todo o resto compensa, e muito.
Beleza, estética, fotografia e sonoplastia são de alto nível
Agora, se tem um ponto do filme que brilha, e brilha muito, é a ambientação. E aqui me refiro a tudo, figurino, maquiagem, músicas e principalmente, ambientar o longa nos anos 90 e 2000. Os palcos, os shows, os passinhos, os cabelos, as roupas, as faixas com os nomes do cantores, que ao longo do filme se transformam, mostrando fisicamente o crescimento profissional deles. Isso é cuidado de uma direção que quer passar cada detalhe, e mostrando que eles importam para o resultado final.
O espectador se sente dentro de um baile funk dos anos 90, relembrando claramente o Furacão 2000. O figurino acerta nas roupas da época, assim como as músicas que fizeram sucesso tremendo à época e que não poderiam ficar de fora de um filme musical como esse, e para o público, é um retorno ao passado, um momento importante para o Funk Carioca.
Essa ambientação é muito importante para contar a história, principalmente ao nos fazer acompanhar o crescimento da dupla de amigos, a tal ponto de que no fim, você realmente acredita estar vendo Claudinho e Buchecha na tela, principalmente Juan Paiva.
Vale a pena assistir no cinema?
E da mesma forma como comecei, irei terminar dizendo que, pela primeira vez, minha crítica já sai pronta assim que acaba o filme. Com certeza é um filme feito com carinho, com qualidade técnica absurda e um elenco competente e que se entregou ao máximo para dar vida a uma história de sonhos, realizações e até mesmo fé. Eu recomendo que assistam no cinema. Levem seus amigos, relembrem suas infâncias, aproveitem as músicas, e guardem a mensagem de que vale a pena sonhar, principalmente quando o sonho é baseado na amizade e no amor.
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