Entre memórias, fantasmas e paranoia, Kleber Mendonça Filho constrói uma das obras mais arrebatadoras do cinema nacional.

Contexto e Direção

Com “O Agente Secreto”, Kleber Mendonça Filho reafirma seu olhar cinematográfico como um dos mais sofisticados e visionários do cinema contemporâneo. Ambientado no Recife de 1977, o longa é ao mesmo tempo um thriller político, um poema urbano e uma carta de amor às cicatrizes do Brasil.

A trama acompanha Marcelo (Wagner Moura), um homem em fuga de um passado obscuro que tenta reencontrar paz em uma cidade marcada pela repressão e pelo esquecimento. O que ele encontra, porém, é um espelho distorcido da própria nação — onde a memória é moeda, e o silêncio, sobrevivência.

Kleber reconstrói o Recife de sua infância com precisão quase mítica, transformando ruas, cinemas e fachadas em símbolos vivos de resistência. Seu domínio da linguagem visual é absoluto: cada enquadramento carrega camadas de história, dor e ironia, lembrando que o cinema, assim como a memória, é um ato de resistência contra o apagamento.

Narrativa e Temas

“O Agente Secreto” é um filme sobre o invisível. Sobre aquilo que o tempo, o medo e o poder tentaram apagar. Nesse contexto, entre perseguições silenciosas e gestos contidos, o diretor explora a paranoia da ditadura militar e o peso da história que o Brasil insiste em enterrar.

O roteiro, também assinado por Kleber, combina realismo e delírio em uma estrutura que se dobra sobre o tempo. O passado e o presente se entrelaçam como fitas de um mesmo rolo de filme, enquanto Marcelo tenta compreender quem é, e o que restou de si em um país que apaga rostos e reescreve destinos.

Há espaço para o humor, para o absurdo e até para o folclore, como na genial inclusão da lenda da Perna Cabeluda, que surge entre o terror e o riso, reafirmando o talento de Kleber para fundir o real e o fantástico sem quebrar a tensão dramática.

O Agente Segreto (2025) - Cena do filme com o elenco 2 - Credito- Vitrine Filmes
O Agente Segreto (2025) | Credito: Vitrine Filmes

Técnica e Estética

A fotografia de Evgenia Alexandrova é um espetáculo à parte. O uso de granulação, cores esmaecidas e contrastes sutis faz o filme parecer realmente nascido nos anos 1970, sem perder a fluidez contemporânea.

O designer de Produção de Thales Junqueira e os figurinos de Rita Azevedo são impecáveis na recriação do período, dos carros barulhentos aos cinemas empoeirados, tudo respira autenticidade. O som diegético, misturado a ruídos urbanos e tambores distantes, ecoa como a pulsação de uma cidade viva, ao mesmo tempo real e espectral.

Kleber orquestra tudo com a precisão de um maestro e a sensibilidade de um poeta. O resultado é uma experiência hipnótica, em que a beleza e o horror caminham lado a lado, e o espectador é convidado não apenas a assistir, mas a habitar o Recife de 1977.

O Agente Segreto (2025) - Cena do filme com o elenco - Credito- Vitrine Filmes
O Agente Segreto (2025) | Credito: Vitrine Filmes

Elenco e Personagens

Wagner Moura entrega aqui uma das atuações mais sutis e poderosas de sua carreira. Seu Marcelo é um homem dividido entre o medo e a necessidade de existir. Cada olhar, cada pausa e cada respiração contam uma história não dita, uma dor que ecoa além da tela. Além disso, Maria Fernanda Cândido e Gabriel Leone reforçam o elenco com atuações refinadas, equilibrando tensão e humanidade. No entanto, Tânia Maria, como Dona Sebastiana, é simplesmente irresistível: sua presença irônica e afetuosa traz alívio e profundidade, sendo o coração pulsante do filme.

O Agente Segreto (2025) - Cena do filme com a atriz Maria Fernanda Candido - Credito- Vitrine Filmes
O Agente Segreto (2025) | Credito: Vitrine Filmes

Referências e Identidade

Kleber Mendonça Filho transforma o cinema em ferramenta de memória. Assim como em Bacurau (2019) e Retratos Fantasmas (2023), ele investiga o que o Brasil escolheu esquecer, e o preço dessa amnésia. Recife surge como personagem viva, um território entre o sonho e o pesadelo, onde o passado nunca deixa de respirar.

O filme dialoga com o realismo político de Todos os Homens do Presidente (1976) e o lirismo sombrio de Memória (2021), mas mantém identidade inconfundivelmente brasileira. É o olhar de um autor que entende o cinema como ato de resistência e de afeto.

O Agente Segreto (2025) - Poster oficial do filme - Credito- Vitrine Filmes
O Agente Segreto (2025) | Poster Oficial | Credito: Vitrine Filmes

Vale a pena assistir?

O filme estreia nos cinemas em 6 de novembro de 2025.

Imagens da capa e do corpo da crítica credito: Vitrine Filmes