“O Castigo”, dirigido pelo chileno Matías Bize, começa de um jeito que já nos desarma. Ana e Mateo discutem dentro do carro, tensos, cansados, e num impulso deixam o filho de sete anos na beira da estrada como forma de castigo. A cena provoca um desconforto imediato. Fiquei pensando no quanto essa escolha é estranha dentro do real, no quanto ela já nasce como um gesto extremo, quase impensável; mas funciona como gatilho para o que o filme realmente quer discutir. Bize não está interessado no castigo em si, mas no peso emocional que se acumula na vida dessas pessoas, especialmente na de Ana, e em tudo que a maternidade exige, cobra e desgasta.

A narrativa se passa inteiramente em tempo real, em 85 minutos que acompanham o casal entre a rodovia e a mata fechada. Esse formato cria um confinamento emocional e espacial que reforça o drama, não o suspense. A verdade é que esse suspense raramente se instala de fato. O que domina mesmo é o drama cru da culpa, da ambivalência da maternidade, das frustrações guardadas, dos ressentimentos que brotam quando a vida pede demais de alguém que já está esgotada. O tempo real ajuda a intensificar essa sensação de sufocamento, embora a estética não acompanhe com a mesma força. A fotografia é simples, seca, às vezes pragmática demais, com escolhas de lente que não ampliam a potência emocional da história. Faltou um pouco de textura, de atmosfera, talvez para elevar essa sensação de suspense que ele tenta vender.

“O Castigo”, do diretor chileno Matías Bize
“O Castigo”, do chileno Matías Bize – Filmes do Estação

As atuações, porém, sustentam tudo. Antonia Zegers está impressionante, ela segura a câmera nos olhos e entrega uma mulher dividida entre culpa e exaustão de um jeito que nunca soa exagerado. É uma atuação que pulsa, que treme, que se recolhe e explode nos momentos certos. Néstor Cantillana também constrói muito bem o marido, um homem que tenta administrar o desespero enquanto se confronta com as próprias fragilidades. Como é um filme bem simples, com um elenco enxuto e poucas personagens, o destaque é mesmo dos protagonistas, simples assim.

 “O Castigo” é um filme denso, inquieto, cheio de camadas emocionais, que pode, sim, gerar um certo incômodo. Mesmo assim, ele não me convenceu por inteiro. A proposta é forte, a direção é precisa no que quer provocar, mas senti que algo faltou. Talvez seja a expectativa de um suspense que não acontece, talvez seja a natureza quase irreal daquela decisão inicial, talvez seja a estética que poderia ter dialogado mais com o que o filme pede. Saí um pouco frustrado, como se o impacto prometido nunca tivesse se completado. Mas isso não diminui a importância da obra, que revela mais uma vez como o cinema sul-americano sabe confrontar temas difíceis com coragem e profundidade.

Foto de capa: Filmes do Estação