Com estreia nos cinemas marcada para outubro, O Último Episódio, novo filme de Maurílio Martins, acompanha Erik, um garoto que, para conquistar a menina dos seus sonhos, diz possuir a fita do lendário último episódio de Caverna do Dragão. Recheado de nostalgia, o longa traz o relato de um trio de adolescentes dos anos 90, na cidade de Contagem, em Minas Gerais, e fala sobre amizade, resiliência, o primeiro amor e, principalmente, sobre regionalidade, brasilidade e os dilemas da vida de cada indivíduo, independentemente da época em que vive.

O olhar de Maurílio Martins sobre as periferias

Maurílio Martins, um dos fundadores da Filmes de Plástico, é o diretor do longa-metragem que chega aos cinemas com uma obra que, sem dúvida, vai despertar memórias em muita gente. Principalmente em quem se identifica com as periferias do Brasil, que, por mais diferentes que sejam geograficamente, compartilham experiências muito parecidas. E para quem é mineiro, o filme carrega um sentimento ainda mais especial, por ser profundamente localizado e regionalizado. Além de nostálgico, ele recria com carinho a estética dos anos 90: figurinos, objetos, penteados, músicas e até a atmosfera econômica daquele período foram cuidadosamente trabalhados para transportar o espectador àquela época.

É um filme de época, situado trinta anos atrás, com um trabalho de caracterização admirável, considerando especialmente o orçamento limitado. Quando assisti, fiquei pensando em como eles conseguiram reproduzir com tanta fidelidade aquela década. Tenho muito viva na memória a imagem dos anos 90: as roupas, os programas de TV, as escolas. E, nesse sentido, o longa impressiona. Apesar das limitações técnicas e de escala, comparado a produções hollywoodianas, ele não deixa nada a desejar. Claro, há pequenos deslizes aqui e ali, mas considerando todo o contexto, o resultado é um sucesso.

Gabriel Martins como Professor Juarez. Foto: Divulgação

Roteiro pessoal e trajetória do herói

O roteiro é bem amarrado, ainda que apresente alguns momentos em que certas histórias não se completam totalmente. Mesmo assim, é compreensível, já que Maurílio traz para o filme uma experiência pessoal. Erik é um reflexo de suas próprias memórias, e por isso o longa tem uma coerência emocional muito bonita. A narrativa funciona quase como uma jornada do herói. No início, acreditamos que o foco está na fita do Caverna do Dragão, mas logo percebemos que ela é apenas o gatilho para algo muito mais profundo. A verdadeira trama se desenrola nas entrelinhas, enquanto Erik tenta mostrar a fita para sua paquera. É nesse caminho que conhecemos a vida e os conflitos desses três amigos: Erik, Cassinho e Cristiane, apelidada carinhosamente (ou nem tanto) de “Cristão”. Essa relação entre meninos e meninas, típica dos grupos escolares dos anos 90, é retratada de forma muito autêntica e divertida.

Um dos pontos altos do filme, além do roteiro emocionante, é a trilha sonora. Maurílio escolheu músicas que capturam perfeitamente o espírito da época, como Losing My Religion, da banda R.E.M., e faixas do Pato Fu. Elas ajudam a compor uma atmosfera viva e sensível, que dialoga com o público de forma direta e afetiva.

Contagem como palco de um cinema mineiro

Outro aspecto fascinante é o fato de o filme ser gravado em Contagem, Minas Gerais, algo raro, já que a cidade não é um polo cinematográfico. Como belo-horizontino, me senti extremamente privilegiado de ver minha região retratada na telona. Há um sentimento de orgulho e pertencimento em ver a periferia mineira ganhando espaço no cinema. Maurílio, morador do bairro Laguna, conhece profundamente essa realidade e soube trazê-la para a tela de forma sincera. Fiquei curioso sobre como ele recriaria o Laguna dos anos 90, já que a cidade mudou muito: prédios, carros, postes, antenas, tudo é diferente hoje. Ainda assim, o diretor conseguiu contornar essas dificuldades com inteligência, usando planos fechados para disfarçar as transformações urbanas e escolhendo ruas que mantinham um aspecto mais antigo. Esse cuidado revela o quanto o filme foi pensado, nada nele é feito de qualquer jeito.

O ÚLTIMO EPISÓDIO é mais uma obra da produtora de cinema Filmes de Plástico.
Matheus Sampaio e Camila Morena em “O ÚLTIMO EPISÓDIO” | Foto: Divulgação

A fotografia também merece destaque. Em alguns momentos, o diretor opta por inserir fotos e vídeos reais da época nas transições de cena, o que cria uma plástica muito bonita e natural. Mesmo quem não entende de técnica percebe a harmonia dessas escolhas, porque tudo parece parte orgânica da narrativa. É um filme que valoriza o olhar e a sensibilidade, e isso transparece em cada detalhe.

Elenco, naturalidade e referências

Sobre o elenco, o trio de adolescentes funciona muito bem. As atuações são simples, sem grandes explosões dramáticas, mas sinceras e convincentes. O espectador é facilmente transportado para aquele período em que filmes como Clube dos Cinco, Conta Comigo, e séries como Malhação, Confissões de Adolescente e Anos Incríveis faziam parte do nosso cotidiano. Essas referências aparecem de forma sutil, nunca como cópia ou homenagem forçada, mas como uma textura daquela época.

E é impossível não destacar a presença de Rejane Faria, interpretando Dona Judite, a avó de Cristiane. Ver Rejane, um verdadeiro patrimônio artístico da nossa região, na tela é um prazer enorme. Assim como Gabriel Martins e outros nomes da Filmes de Plástico, o elenco reforça o poder do cinema regional e o protagonismo de Minas Gerais fora do eixo Rio São Paulo. É uma vitória ver um filme que mostra Minas não como cenário genérico, mas como identidade viva.

Vale a pena assistir?