Orlando- Minha Biografia Política é a primeira produção do diretor e filósofo Paul B. Preciado. Baseado no livro Orlando de Virginia Woolf, o filme aborda a transição de gênero e a vivência das pessoas trans ao longo do tempo. O longa é um documentário que mescla ficção com realidade e traz questionamentos importantes sobre machismo, racismo e diversos outros preconceitos arraigados na nossa sociedade.

A história de “Orlando – Minha Biografia Política”

O filme se inicia com um jovem trans que ao finalizar a leitura do livro homônimo de Virginia Wolf resolve escrever uma carta para a autora. O objetivo da carta é mostrar para Virginia que seu Orlando saiu da ficção. E que a vivência trans já é uma realidade para diversas pessoas no mundo contemporâneo.

O jovem relata suas experiências como uma pessoa trans, fazendo diversos paralelos com as situações vividas pelo personagem de Orlando no romance original. O longa segue a mesma estrutura do romance de Virginia Woolf apresentando um diário de viagem pela história. Dessa forma, o filme  narra não só a transição de gênero do personagem, mas também a vivência de diversas pessoas trans ao longo dos anos.

O documentário passa por momentos cruciais da transição de gênero como o início da hormonização, os primeiros romances e a aceitação pública da mudança que está ocorrendo. Com seu olhar poético, Paul presenteia o expectador com cenas delicadas onde os sentimentos são apresentados de forma sutis e comoventes. Porém, com seu  olhar crítico de filósofo e pesquisador ele deixa claro sua a crítica à sociedade patriarcal e sexista.  Usando o sarcasmo e a ironia com maestria, ele escancara o preconceito vivido pelas pessoas trans e não binárias ao longo de todas as épocas.

Foto: Divulgação

Um roteiro original

Em um trabalho incrível de metalinguagem a história passa a ser apresentada através da gravação de um segundo filme.  Neste segundo filme 25 pessoas trans e não binárias se revezam para contar sobre a vida e as vivências de Orlando. Utilizando cenas curtas a história original de Virginia se mescla com vivências reais da contemporaneidade.

Preciado nos surpreende com uma cinegrafia extremamente rica e complexa, onde os diversos elementos da cena se encaixam para transmitir ao expectador os sentimentos mais intensos. E é incrível ver quais são os artifícios criados para se recriar os diversos elementos da natureza em um set de filmagem com recursos limitados.  A escolha do diretor de mostrar os elementos externos à filmagem é estratégica. E transmite ao expectador a mensagem de que a transição de gênero é um trabalho intenso e contínuo, que vai muito além do que é apresentado superficialmente.

Além disso, a escolha de contrapor vivências atuais com as vividas por Orlando no século XX é muito assertiva. E reforça a ideia de que apesar do tempo decorrido entre o lançamento do livro e o momento atual, muitas dificuldades e angústias vividas pelas pessoas trans ainda permanecem, principalmente aquelas relacionadas com o preconceito.

Outro ponto que importante de se destacar é que o uso de cenas curtas e o constante revezamento de atores, funcionou muito bem. Esta escolha trouxe para o expectador uma sensação de fragmentação, que auxilia na compreensão da mensagem que está sendo repassada.

Foto: Distribuidora

Vale a pena assistir?

“Orlando- Minha Biografia Politica” é um filme combativo, que apresenta uma forte crítica ao patriarcado, ao racismo e a medicalização das identidades não cis. O longa deixa muito clara a sua mensagem de que a identidade trans não é algo dado a priori, pelo contrário, é algo fluido e em constante construção. E que a transição de gênero é um movimento interno, denso e libertador. Mas, além de ser um manifesto pela vida das pessoas trans e não binárias o longa de Paul B Preciado é um trabalho incrível de poesia e sensibilidade que nos toca, e nos faz relembrar que ser quem se é, é algo grandioso.