Rabia revela os bastidores do Estado Islâmico pelas lentes das mulheres: vítimas, cúmplices e prisioneiras de um sistema devastador
Na contramão dos thrillers explosivos sobre terrorismo, Rabia – As Esposas do Estado Islâmico aposta no silêncio como forma de grito.
Dirigido por Mareike Engelhardt, o longa, que chega aos cinemas brasileiros no dia 21 de agosto, oferece um mergulho sóbrio e aterrador no universo invisível das “casas de noivas” do Daesh, onde mulheres estrangeiras eram doutrinadas para se casar com jihadistas.
O ponto de vista é o de Jessica (Megan Northam), jovem francesa de 19 anos que chega a Raqqa buscando uma nova identidade espiritual e social.
Rebatizada como Rabia (“raiva”, em árabe), ela entra em uma rotina de doutrinação dentro de uma espécie de prisão disfarçada de casa de acolhimento.
A transformação da jovem, de idealista ingênua a agente da repressão, é o fio que conduz um roteiro tenso, minimalista e sem saídas fáceis.

Opressão em silêncio: o terror psicológico por trás de Madame
Tudo acontece em espaços fechados, vigiados, abafados. A fotografia capta a opressão com sombras e escuridão, enquanto a trilha sonora ecoa tensão, silêncios ensurdecedores e desconforto, mas sempre com parcimônia.
Não há trilha emocional para guiar o espectador, há apenas o som da respiração curta, das portas se fechando, dos gritos e tiros ao longe.
Lubna Azabal está perturbadora como Madame, figura inspirada na temida Fatiha Mejjati (Oum Adam), uma das líderes femininas reais do Estado Islâmico.
Seu controle sobre as meninas não vem apenas do fanatismo religioso, mas de uma dinâmica de poder construída com manipulação, punição psicológica e uma assustadora calma.
A relação entre Madame e Rabia lembra uma versão ainda mais sombria do experimento de Stanford, onde vítimas se tornam algozes. O processo é gradual e sem glamour, e talvez por isso tão eficaz.

Rabia é um retrato incômodo da radicalização feminina longe dos clichês
Engelhardt escolhe não mostrar a violência diretamente, e isso só torna tudo mais cruel. A sugestão, dos hematomas escondidos, do olhares cheios de medo e dos risos nervosos pesa mais do que qualquer cena gráfica.
A diretora também evita o julgamento raso, abordando a radicalização como um processo coletivo, social, quase invisível aos olhos do Ocidente.
O filme também tem mérito por abordar um recorte quase nunca explorado na ficção: o cotidiano de mulheres ocidentais doutrinadas por um regime extremista.
A descoberta de que essas mulheres fumam, usam lingerie e sonham romanticamente com seus maridos jihadistas desafia o imaginário simplista que costumamos ter sobre elas.
Com 95 minutos de duração, Rabia é enxuto, mas denso. Em seu final, traz uma ponta de esperança, mas lembra que muitas dessas mulheres ainda vivem presas no campo de refugiados de Al-Hol, na Síria, sem julgamento, identidade ou perspectiva.
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Vale a pena assistir Rabia – As Esposas do Estado Islâmico?
Sem recorrer ao sensacionalismo, o filme constrói um retrato denso, silencioso e perturbador da radicalização feminina sob um regime extremista.
Mais do que um suspense político, Rabia se impõe como um drama psicológico e social que provoca reflexão ao expor as camadas de opressão, poder e identidade.
É uma obra essencial não apenas para quem se interessa por geopolítica ou direitos humanos, mas para qualquer espectador disposto a encarar as nuances que levam mulheres ao extremo, e o que as mantém lá.
Sim, vale a pena assistir Rabia – As Esposas do Estado Islâmico.
Imagem de capa: Pandora Filmes/Divulgação
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