Com John Malkovich, “Sr. Blake Ao Seu Dispor”, adaptação do romance de Gilles Legardinier, oscila entre momentos de delicadeza e excessos de uma comédia antiquada
Adaptar um best-seller para o cinema costuma ser um desafio: é preciso agradar aos fãs da obra original sem perder a chance de conquistar um novo público.
Em “Sr. Blake Ao Seu Dispor”, baseado no romance Complètement Cramé! de Gilles Legardinier, a tentativa é clara, transformar uma comédia literária em um retrato bem-humorado sobre convivência, diferenças culturais e redescobertas pessoais.
No entanto, o resultado divide opiniões, alternando entre acertos pontuais e escolhas criativas que acabam fragilizando a experiência.

O filme acompanha Andrew Blake (John Malkovich), um empresário britânico cansado da vida em Londres, que decide retornar à França, terra natal de sua falecida esposa, em busca de lembranças afetivas.
No castelo onde a trama se desenrola, encontra uma série de personagens que parecem presos ao tempo: a cozinheira autoritária Odile (Émilie Dequenne), o jardineiro eremita Philippe (Philippe Bas), a jovem camareira Mary (Eugénie Anselin) e a viúva Beauvillier (Fanny Ardant), que ainda conversa com o falecido marido falando com as roupas dele.
Ao se infiltrar nesse microcosmo, Blake provoca transformações sutis, ajudando cada um a revisitar dores e encontrar novas motivações para viver.
O charme dos personagens e o peso da previsibilidade
Há mérito na forma como os personagens secundários são construídos: cada um traz fragilidades reconhecíveis que tornam a narrativa mais humana.
A jovem camareira abandonada grávida pelo namorado covarde, a viúva incapaz de se desligar do passado e a cozinheira obcecada pelo controle são figuras que carregam o peso da estagnação, e a chegada de Blake funciona como catalisador.
Ainda assim, a previsibilidade da trama pesa contra. O espectador percebe rapidamente que todos os conflitos caminham para uma resolução positiva, o que reduz o impacto emocional.
Outro aspecto que chama atenção é a ambientação. O castelo, com seus jardins imensos, é quase um personagem à parte. Contudo, esse recurso poderia ter sido mais explorado.
A sensação é de que cenários ricos em possibilidades ficaram subutilizados, funcionando apenas como pano de fundo estático.

John Malkovich: entre o carisma e o exagero
John Malkovich é, sem dúvida, o grande chamariz do longa. Atuar em francês já é um desafio considerável, mas o ator se entrega com dedicação, alternando momentos de humor refinado com passagens mais caricatas.
Em cenas específicas, como a sequência em que seu personagem se traveste para ensinar técnicas de sedução, o filme escorrega para um humor ultrapassado, que provoca mais constrangimento do que riso.
Ao redor dele, o elenco oscila. Fanny Ardant dá dignidade e melancolia à Sra. Beauvillier, mas vive um papel que merecia maior desenvolvimento.
Já Émilie Dequenne sustenta bem o estereótipo da cozinheira rígida, embora caia em repetição. O resultado é um conjunto de atuações que parecem pertencer a filmes diferentes: algumas contidas, outras exageradamente teatrais.

Direção irregular e ecos de teatro
Na direção, o próprio Legardinier, estreante atrás das câmeras, deixa clara sua inexperiência. Isso faz com que a obra não encontre um equilíbrio.
O excesso de diálogos explicativos e trocadilhos sobre diferenças culturais reforça a impressão de um texto teatral, sem a linguagem do cinema.
Ainda assim, o filme lida com temas universais como envelhecimento, resiliência e a redescoberta do prazer de viver. Nesse sentido, pode emocionar espectadores dispostos a aceitar um ritmo mais lento e clichês.
A trilha sonora suave e o apelo visual dos figurinos também ajudam a criar uma atmosfera aconchegante, mesmo quando a história tropeça.
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Vale a pena assistir “Sr. Blake Ao Seu Dispor”?
A resposta, no entanto, depende diretamente das expectativas do espectador. Para quem busca uma comédia leve, de humor discreto e atmosfera acolhedora, “Sr. Blake Ao Seu Dispor” pode, de fato, oferecer um entretenimento agradável para uma tarde de descanso.
Por outro lado, aqueles que esperam inovação, ousadia ou um melhor aproveitamento do talento de John Malkovich, Fanny Ardant e Émilie Dequenne provavelmente sairão frustrados. Isso ocorre porque, apesar do charme do elenco, a obra não consegue romper com seus próprios limites narrativos.
No fim das contas, o longa deixa a sensação de oportunidade perdida, funcionando mais como uma comédia previsível sobre diferenças culturais do que como um retrato profundo de como o tempo transforma relações e memórias.
Assim, em vez de entregar um filme que poderia equilibrar emoção e originalidade, a produção oscila entre momentos de delicadeza e instantes de desconforto.
Dessa forma, confirma-se que nem sempre o talento de um elenco de peso é suficiente para transformar uma boa ideia em grande cinema.
Imagem de capa: Ricardo Vaz Palma/Bidibul Productions
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