“Um. Natal. Surreal.” tenta reposicionar o gênero natalino, mas esbarra em excesso de artifício e narrativa indecisa
A nova produção do Prime Video, “Um. Natal. Surreal.“, dirigida por Michael Showalter (“Uma Ideia de Você”), chega ao catálogo com a promessa de oferecer uma alternativa aos filmes natalinos que dominam o streaming em dezembro. Com Michelle Pfeiffer (Scarface) no centro da trama, o longa se apresenta como comédia, drama familiar e reflexão sobre a maternidade.
No entanto, à medida que a narrativa avança, o filme revela tensões entre ambição e execução. Nesta crítica, vemos como a obra articula seus temas, sua estrutura e entendemos se a atuação de Pfeiffer consegue sustentar um projeto que oscila entre sátira e sentimentalismo.

O peso da maternidade no centro de “Um. Natal. Surreal.”
A proposta do filme parte de uma ideia consistente: dar protagonismo à figura materna no cinema natalino. Claire Clauster, interpretada por Pfeiffer, verbaliza o incômodo logo no início da história ao se perguntar onde estão os filmes de Natal sobre mães.
É a partir dessa premissa que o longa tenta construir um olhar diferenciado sobre os bastidores afetivos e emocionais da época, destacando o que muitas vezes permanece invisível. Contudo, à medida que a narrativa avança, o filme demonstra dificuldade para conciliar essa perspectiva com a estrutura cômica e os exageros típicos do gênero.
A atuação de Michelle Pfeiffer, porém, mantém o filme em movimento. Ainda que o roteiro oscile, sua presença garante textura emocional e consistência dramática. A atriz interpreta Claire como uma mulher que leva anos acumulando responsabilidades familiares, e que, diante da negligência dos filhos, chega a um ponto de ruptura.
A abertura em que Claire confronta uma mãe desconhecida aponta justamente para isso: Pfeiffer trabalha a personagem com uma mistura de exaustão silenciosa e convicção interna, algo que remete às performances que marcaram sua carreira. Nesse sentido, “Um. Natal. Surreal.” reafirma sua capacidade de extrair profundidade de personagens construídos para situações cômicas.

Excessos enfraquecem o potencial dramático do filme
O conflito central, Claire desejando reconhecimento ao ser indicada ao concurso “Holiday Moms”, do programa apresentado por Zazzy Tims (Eva Longoria), poderia render uma análise refinada sobre expectativas familiares e valorização do trabalho doméstico. No entanto, o filme prioriza uma escalada de situações absurdas que fragilizam o impacto dramático.
Claire abandona a família, dirige até Hollywood e tenta entrar ao vivo no programa em uma jornada que rompe qualquer verossimilhança. O exagero poderia funcionar como sátira, mas a narrativa hesita entre farsa e sentimentalismo, sem se comprometer integralmente com nenhum dos dois registros.
O gênero natalino, especialmente no streaming, costuma operar entre duas tradições: a comédia familiar carregada de exageros e a narrativa que apela para reconciliação. “Um. Natal. Surreal.” tenta combinar as duas, mas isso acaba esvaziando parte da força dramática pretendida.
O roteiro, assinado por Showalter e Chandler Baker, apresenta bons pontos de partida, mas não consegue desenvolver suas implicações de forma orgânica. A transformação de Claire, por exemplo, perde intensidade porque a personagem é conduzida por motivações que o filme não sustenta inteiramente.
Ainda assim, a crítica social sugerida na obra, a respeito da invisibilidade do trabalho materno, encontra ressonância em diversas cenas. A relação de Claire com os filhos revela dinâmicas comuns em famílias contemporâneas: distanciamento, prioridades divergentes e baixa percepção sobre o esforço da responsável por manter o ritual natalino de pé.
Em alguns momentos, o filme parece prestes a se aprofundar nessa discussão, mas logo retorna à comédia física e aos diálogos acelerados. Isso evidencia a falta de uma unidade estética e temática mais firme.

Atuação de Pfeiffer brilha, mas roteiro prejudica
Apesar dessas inconsistências, a performance de Pfeiffer permanece como centro gravitacional da obra. Ela equilibra vulnerabilidade e assertividade, mesmo quando o roteiro exige mudanças bruscas de tom. O contraste entre sua interpretação e a instabilidade do material destaca o descompasso entre intenção e execução.
Chloë Grace Moretz, Felicity Jones e Dominic Sessa também apresentam boas participações, mas suas tramas paralelas não avançam suficientemente para sustentar o arco principal. A questão que fica é se “Um. Natal. Surreal.” consegue se sustentar como narrativa marcante dentro do gênero.
O filme apresenta momentos promissores, especialmente quando enfoca a exaustão emocional da protagonista, mas abandona rapidamente essa camada em favor de sequências mais espetaculares e menos coerentes. A comédia não alcança impacto consistente e o drama não encontra espaço suficiente para se desenvolver.
O fechamento reforça esse contraste. Embora a jornada de Claire busque reconciliação, um elemento clássico do gênero, a construção até esse momento se mostra apressada e pouco integrada ao restante do longa. Mesmo assim, a presença de Pfeiffer confere alguma solidez ao desfecho, articulando dignidade e cansaço em seu retorno ao núcleo familiar.
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Vale a pena assistir “Um. Natal. Surreal.”?
O longa não redefine o cinema natalino nem alcança todo o potencial sugerido pelo elenco. Mas a atuação de Michelle Pfeiffer vale o olhar atento. Para espectadores que buscam uma leitura crítica sobre o papel das mães na dinâmica familiar dessa época do ano, o filme oferece pistas, ainda que sem aprofundamento pleno.
Para quem procura uma comédia estruturada, o resultado pode parecer irregular. No fim, “Um. Natal. Surreal.” é um projeto ambicioso que não encontra seu tom, mas traz uma performance que segura a narrativa até o último ato.
Imagem de capa: Alisha Wetherill/Prime Video
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