Mesmo sob bombardeios e perdas culturais, leitores e escritores da Palestina mantêm sua literatura viva como forma de resistência
Durante a manhã desta quarta-feira (29), o governo de Israel anunciou o reestabelecimento do cessar-fogo na Faixa de Gaza, após uma série de ataques na região central instruídos pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. No início de outubro o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, havia assinado o cessar-fogo em Gaza. Entretanto, Israel rompeu o acordo na última semana e retomou os ataques à região.
A guerra na Faixa de Gaza deixa marcas profundas não apenas nas vidas humanas, mas também na memória e na cultura palestina. Desde o início dos ataques, bairros inteiros foram reduzidos a escombros, e com eles também desapareceram espaços culturais e educacionais. A Biblioteca Municipal de Gaza e a Biblioteca Umari, por exemplo, foram destruídas.
Dessa forma, o coletivo Bibliotecários e Arquivistas com a Palestina (LAP), fundado em 2013, têm documentado o impacto da guerra sobre acervos e instituições culturais. De acordo com o relatório Israeli Damage to Archives, Libraries, and Museums in Gaza (October 2023–January 2024), em apenas quatro meses o exército israelense atingiu:
- Dois grandes arquivos históricos;
- Onze bibliotecas públicas;
- Quatro bibliotecas universitárias;
- Dez museus.
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Ainda assim, a leitura continua sendo uma forma de resistência. Postagens como a do bibliotecário palestino Omar Hamad tornaram-se um lembrete de como a literatura faz parte da luta e da resistência. Elas lembram que ainda há quem insista em preservar os livros e continuar cultivando a literatura como uma forma de persistir.
Conheça as obras para entender a resistência em Gaza
Logo, acompanhar as notícias cotidianas podem não ser o suficiente para entender a complexidade da história. Pensando nisso, reunimos algumas obras (de diferentes gêneros, como ficção, não ficção e poesias) que podem ajudar a estudar a origem e o impacto por trás da guerra:
01- A questão da Palestina, de Edward W. Said

Edward W. Said, palestino-americano, é reconhecido na literatura ocidental como pioneiro por apresentar o conflito sob a experiência palestina. A obra, publicada em 1979 e traduzida para o Brasil em 2012, não só conta a experiência pessoal do autor, mas também apresenta documentos históricos para complementar a narrativa.
Assim, A questão da Palestina relata a formação do Estado de Israel na ótica palestina e examina o processo e origem da desterritorialização dos palestinos em seu próprio território. A obra divide-se em quatro partes:
- A questão da Palestina
- O sionismo do ponto de vista das vítimas
- Rumo à autodeterminação palestina
- A questão palestina após Camp David
“A questão palestina é, portanto, o confronto entre uma afirmação e uma negação, e esse confronto primordial, que tem mais de cem anos, é o que anima e dá sentido ao atual impasse entre os Estados árabes e Israel.” (A questão da Palestina, Edward W. Said, página 64)”
02- O azul entre o céu e a água, de Susan Abulhawa

O azul entre o céu e a água, escrito pela autora palestina-americana Susan Abulhawa, narra a história de uma família em Beit Daras durante a ocupação israelense em 1947.
O romance acompanha as mulheres da geração da família, mostrando como enfrentam a violência e a necessidade de reconstruir suas vidas ao buscar refúgio nos campos palestinos. Ao decorrer da história, Susan explora a narrativa sobre resistência e os desafios para conseguir manter a identidade étnica em meio a guerra. Além disso, também mostra a realidade que atinge as famílias palestinas.
“As histórias importam. Somos feitos das nossas histórias. O coração humano é feito das palavras que colocamos nele. Se alguém lhe disser coisas ruins, não deixe que essas palavras entrem no seu coração e tenha cuidado para não colocar palavras ruins no coração de outras pessoas.” (O azul entre o céu e a água, Susan Abulhawa)
03- Gaza: terra da Poesia, coletânea organizada por Muhammad Taysir

Crédito: Editora Tabla
Em 2022, o coletivo GTPAC – Grupo de Tradução da Poesia Árabe Contemporânea promoveu a edição do livro “Gaza: terra da Poesia” que reúne poemas de 17 jovens nascidos em Gaza, na Palestina.
De acordo com os tradutores e editores da edição brasileira, “é um livro de poemas muito raro que, em nossa singela metáfora, é uma flor milagrosa, aberta vermelha e fresca, em terra dura, livro testemunho da vida palpitante e em curso nas mazelas dos tempos de guerra.”
Além disso, o dinheiro arrecado pela venda do livro é doado para o Tamer Institute for Community Education. A instituição não governamental, em Ramala, na Palestina, promove literatura e educação em todo o território, inclusive Gaza.
[…]
Aqui as ideas nascem livres em torno das flores de romã
e nas celas a ideia é enterrada viva.
Aqui em todo canto há um carcereiro
que come os ossos dos jovens e suas vidas
e até as tranças de suas amadas!
Que valor tem a palavra…
se tudo aqui está debaixo dos sapatos do algoz?
[…]”(Escrito por Fatima Ahmad, presente na coletânea Gaza: a terra da Poesia, pág. 43)
04- Em Estado de Choque: Sobrevivendo em Gaza sob Ataque Israelense, de Mohammed Omer

Crédito: Reprodução
Em Estado de Choque, o jornalista palestino Mohammed Omer reúne suas crônicas como testemunha ocular da Margem Protetora. Durante a operação, em 2014, a ofensiva israelense devastou a Faixa de Gaza em sete semanas, resultando em 2.200 mortos, sendo 77% civis, incluindo 536 crianças. O Martha Gellhorn Prize for Journalism considerou o autor “a voz dos sem vozes.”
Nas páginas do livro, Omer narra cenas que testemunhou. Ou seja, mesmo em tom jornalístico, o autor apresenta sensibilidade ao contar histórias das famílias que precisam evacuar apartamentos minutos antes de ataques. Além disso, também relata episódios de cadáveres que foram mantidos em geladeiras desligadas por falta de energia e cemitérios que foram bombardeados para impedir enterros.
“A realidade do colonialismo nos ensina desde cedo sobre a importância da memória, da História e das histórias que nos ligam à nossa terra e uns aos outros. As histórias são importantes e devem ser passadas de uma geração para a outra” (Mohammed Omer, em 2024, à Fórum)
05- Diários de Gaza: a memória é uma casa indestrutível (vol 1), organizado por Atef Abu Saif, Abd al-Salam Atari e Rafael Domingos Oliveira

Diários de Gaza – A memória é uma casa indestrutível reúne vozes de artistas, escritores e professores que viveram a guerra mais recente na Faixa de Gaza, iniciada em outubro de 2023.
O escritor Atef Abu Saif organizou a coletânea original em árabe. Assim, reuniu 14 relatos que registram o cotidiano sob bombardeios, a perda e, sobretudo, a resistência diante do apagamento.
Além disso, a obra inaugura uma série de livros para compreender, a partir de quem vive, o que significa existir e lembrar em Gaza.
“São textos escritos em diferentes lugares, linguagens e jeitos por quem derrotou a guerra e derrotou a morte. O valor desses textos é que foram escritos em Gaza, e não sobre Gaza.” (Diários de Gaza, pág. 19)
06- Quero estar acordado quando morrer, de Atef Abu Saif

Do mesmo organizador de Diários de Gaza, Quero estar acordado quando morrer relata os dias de Atef Abu Saif vividos sob bombardeios em Gaza.
Suas anotações diárias estão presentes no livro no formato de um diário. Dessa forma, revelam o impacto da guerra sobre a vida comum e a força de um povo diante do genocídio – conforme reconhecido pela Comissão de Inquérito da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, o autor destaca o poder da palavra como forma de sobrevivência e memória.
O livro consolidou-se como um dos testemunhos mais potentes sobre a Faixa de Gaza e a resistência cultural palestina.
“Há um leve consolo em ouvir o som de um foguete: você sabe que ele não vai te atingir. Você não é o alvo. Essa é uma lição que todos os moradores de Gaza aprendem.” (Quero estar acordado quando morrer, Atef Abu Saif)
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Imagem de capa: Reprodução