O anúncio do encerramento do NerdBunker, braço jornalístico do Jovem Nerd, deveria ser tratado como um marco, não apenas no universo geek, mas no debate sobre os rumos do jornalismo cultural no Brasil. Não foi apenas mais uma redação encerrada e pessoas sendo mandadas embora; foi a rendição silenciosa de um espaço que buscava informar com seriedade um público que, cada vez mais, prefere ser entretido a ser desafiado, mesmo que às vezes o público ache que o circo seja a informação.
A cultura pop como produto, não como pauta
O universo nerd ou geek, há muito tempo deixou de ser nichado. Ele é mainstream, talvez? Mas paradoxalmente, o jornalismo especializado nesse campo não colheu os frutos da popularização. O que antes era espaço para análises, bastidores, críticas e reflexões, hoje é eclipsado por vídeos de reações, rankings caça-cliques e postagens automatizadas por I.A. que vivem de algoritmos e não de apuração. O que vale mais, um vídeo reaça ou uma reportagem que questiona?
A queda do NerdBunker escancara essa contradição: a cultura geek cresceu, mas o respeito por quem a trata com rigor e profundidade murchou.
Algoritmos não gostam de nuance, querem o protagonismo só para eles mesmos
O Google, que já foi um parceiro de quem produzia conteúdo relevante, tornou-se um filtro opaco desse mercado. Pequenas (ou não tão pequenas) alterações no algoritmo, como no Google Discover, podem sepultar sites muito rapidamente. E essa não é uma teoria da conspiração: é uma matemática cruel e real.
Sites como o NerdBunker, por mais sólidos que fossem editorialmente, tornaram-se reféns da volatilidade de plataformas sobre as quais não têm nenhum controle. A audiência flutua ao sabor do código, e o jornalismo, por sua natureza lenta e minuciosa, se afoga nessa dinâmica veloz e impessoal. Mas tem algo pior, a natureza das compras de sites especializados pelos grandes conglomerados, como foi o caso deles com o Magalu.
Quanto desse fechamento pode ser colocado na conta do Google e quanto pode ser colocado na conta da gigante do Varejo? Aliás, não tão gigante aqui, já que acumula quase 90% de perca no seu valor de mercado, como dizem alguns sites especializados. Será que o corte seco veio por conta disso? Será que irão chamar de “reformulação”?
O fast food da informação tem culpa nisso também
Hoje, um post de 280 caracteres pode chegar a mais pessoas do que uma reportagem investigativa. Vídeos de 30 segundos viralizam mais que uma análise crítica embasada. Não é só uma questão de formato, é uma mudança na própria relação da sociedade com a informação.
As redes sociais nivelaram o campo da informação por baixo. E não por culpa da tecnologia em si, mas por nossa preferência (ou adesão compulsória) por conteúdos rápidos, polarizados e emocionalmente viciantes. Criadores de conteúdo que surfam no embate, no “hate” e na idolatria movem milhões. O jornalismo, que vive da dúvida e não da certeza, fica para trás.
O embate entre fandoms e haters passou a ser combustível econômico. O jornalismo, que não pode escolher lados, acaba sendo percebido como “morno”, “isentão”, como se apurar e ouvir todos os lados fosse sinal de covardia, e não de compromisso ético.
Essa lógica transforma o jornalista em alvo, e o influenciador parcial em referência. No mundo da audiência fragmentada, a imparcialidade perdeu valor de mercado.
A sociedade também tem culpa
Não é só o mercado que pressiona, nem as plataformas que sabotam. Há uma culpa coletiva, silenciosa, cotidiana, que nos torna cúmplices dessa erosão. Quando escolhemos não assinar portais sérios, mas damos engajamento a perfis que apenas copiam releases ou distorcem manchetes, estamos dizendo: “isso é suficiente pra mim”.
Quando ignoramos o trabalho de redações inteiras para aplaudir vídeos superficiais de youtubers que “explicam tudo em 5 minutos”, estamos legitimando a substituição da informação pelos números.
Um silêncio que diz muito
O fim do NerdBunker não causou comoção generalizada. Não houve trending topic. Não houve protesto digital. E isso talvez seja o mais assustador: a naturalização do fim do jornalismo especializado. Talvez porque muita gente nem tenha percebido. Talvez porque muitos já estivessem informando-se apenas pelo feed, pelo story, pelo vídeo que grita em 15 segundos o que uma reportagem explicaria em 15 parágrafos.
Mas o fim do NerdBunker não é o fim de um site. É o início de um vácuo: o da informação confiável sobre um universo que move bilhões, que forma identidades, que inspira gerações, mas que, ironicamente, não conseguiu sustentar uma redação.
Foto de capa: Foto de Andrew Neel na Unsplash