Cris Vaccarezza é radiologista odontológica, psicanalista e escritora. Após uma carreira consolidada na área da saúde, estreou na literatura com o livro “Poesias Acidentais” (2024) e participou de várias antologias como “Catarsis” (2024), “Folhas de Outono” (2025), entre outras.

Em “Inimputável: À Margem da Loucura”, ela explora as complexidades das emoções humanas, assim como os limites entre doenças mentais, ética e justiça. Cris Vaccarezza falou ao GeekPop News sobre sua carreira como escritora e sobre o livro. Confira a entrevista:

Você poderia se apresentar para os nossos leitores nas suas próprias palavras?

Oi Anna Flávia! Agradeço a você e à equipe do GeekPop News pelo interesse em meu trabalho e pelo carinho dessa entrevista. Vamos lá! Eu sou a Cris Vaccarezza, sou Baiana, vivo em Feira de Santana, na Bahia. Sou radiologista odontológica de formação, e psicanalista, e sou antes de tudo isso, apaixonada pelo mundo da escrita e da literatura. Sou autora dos livros “Poesias Acidentais” e “Inimputável: À margem da loucura“, obras que mesclam minha vivência na saúde com uma escrita que busca ser mais humana.

Você vem da área da psicanálise e da saúde. Você sempre escreveu? Como aconteceu essa transição?

Então, de fato, nunca houve uma transição propriamente dita. A escrita precede todas as formações. Tive uma formação rica em artes, graças a um professor de Educação Artística, que depois se tornou meu professor de Literatura. O nome dele é Luiz Alberto e devo a ele essa paixão pela literatura.

Escrevo por hobby e terapia, desde a adolescência. Concomitantemente com as formações e carreiras na área da saúde, nunca deixei de registrar impressões em papel e depois já diretamente em formato digital. Mantive um blog literário, o Poesias Acidentais, no ar entre os anos de 2010 e 2016. Nele, escrevia poesia, crônicas, contos. Alguns deles fizeram parte do meu primeiro livro de Poesias, homônimo do blog. E agora, estreei nos romances, com o “Inimputável“.

Como é o seu processo de escrita? Em que você se baseia para criar suas obras e seus personagens?

Meu processo de escrita é livre. Eu adoraria ter uma rotina mais literária e conseguir escrever com mais disciplina, mas associar a escrita à rotina da área de saúde nem sempre é possível. De forma que escrevo na maioria das vezes pela madrugada, ou em períodos específicos em que necessito abrir um espaço na agenda para finalizar projetos ou entregar conteúdos.

Ainda não consegui estruturar uma rotina disciplinada de escrita, mas meu processo é muito intuitivo e sensível. Meus personagens costumam me visitar, eu brinco. Eles me ocorrem meio que à revelia, e é como se me contassem sua história.

Sou capaz de viajar com eles pelos cenários imaginários e descrever o que vejo e como se sentem. Meus personagens têm muito esse viés psicológico. Eu me preocupo muito em descrever seus sentimentos, em “tomar” a sua pele como veste, até para buscar que eles sejam de alguma forma verossímeis, humanos.

Vamos falar sobre o livro “Inimputável: À margem da Loucura”, por que a escolha desse cenário, uma instituição psiquiátrica que cometeram crimes?

Gosto de ter uma escrita que desafia o leitor a se questionar sobre questões pouco óbvias. Nesse sentido, o ambiente de uma instituição psiquiátrica é realmente um cenário onde poucos imaginam estar, os personagens nos convidam a entrar nesse mundo sem muitas garantias de lógica, de coerência.

Imagine que, dentro de um ambiente assim, você está por sua conta e risco. E refletir sobre o que acontece com uma pessoa dentro dos muros de uma instituição assim é uma oportunidade rara. Os que lá estão nem sempre têm a lucidez necessária para relatos “confiáveis” e aí começam os desafios, o que é confiável nesse contexto?

Por que um advogado e um médico como protagonistas? 

São duas profissões de alto valor e de poderio gigantesco para mudar vidas, já pensou nisso? Há uma fala no livro em que O juiz e o médico refletem sobre o seu poder de mudar vidas, eles dizem: “Nossas canetas têm tinta de ouro” O que quer que digam um juiz ou um médico, tem um peso de mudar vidas, para o bem e para o mal.

E os advogados são os interlocutores entre a sociedade e o judiciário, que decide, eles fazem toda a articulação. Essas profissões têm o poder de salvar ou condenar. Por isso, merecem ser tratadas com a consciência da enorme responsabilidade que carregam.

Como podemos perceber uma relação entre ética, saúde mental e justiça no livro? E você, como profissional, como analisa essa relação?

Está tudo absolutamente relacionado. Muito embora o livro não se passe no Brasil e as leis se modificam de país para país, até porque se trata de uma história ficcional, é relevante avaliar, do ponto de vista da consciência de cada um, o poder que têm as suas decisões ou a falta delas. É uma história de suspense, exatamente porque lida com escolhas e consequências.

O mundo pode moldar o caráter? As escolhas podem mudar uma vida? Vale a pena tomar certos atalhos? Enfim, creio que advogados militem com esse tipo de dúvida todos os dias, uma vez que se tornam patronos de seus clientes e precisam de toda a habilidade de convencimento para tornar verídicas e plausíveis as alegações que fazem em suas petições para deferimento de um juiz.

É preciso encarar essas profissões com muita ética e responsabilidade e isso é muito discutido no livro. Sem desmerecer qualquer outra profissão ou formação. Os profissionais dessas duas áreas precisam ter consciência da dimensão de suas ações, ou da ausência de suas ações, que custam, ou salvam vidas, lembrando que a falta de atitude na medicina e no direito, também causa muitas mortes.

Qual sua opinião sobre a estrutura existente para tratamento mental de pessoas que cometem crimes?

Atualmente, o sistema vem se tornando menos institucionalizado no Brasil. O campo da Psiquiatria sempre foi um campo de pesquisas muito delicadas e sempre careceu de muito cuidado por parte de seus profissionais. O tema de saúde mental delituosa é extremamente delicado, pois só quem já conviveu com pessoas em surto psicótico sabe a impotência de não saber como lidar e não ter maiores recursos para buscar, além dos particulares e muito caros.

Agora imagine que essa pessoa com transtorno, por conta de sua condição, tirou uma vida ou causou dano a alguém. Como lidar? É essa inquietação que me inspirou a escrever “Inimputável”. Entende que a sociedade fica à mercê de um assunto pouco falado, como se fosse um assunto tabu? Mas as pessoas com transtorno existem, e precisam de atenção e cuidado.

Creio que isso precisa ser mais bem-visto e discutido dentro da sociedade. A proteção às pessoas com transtornos mentais graves e também às suas famílias, aos seus cuidadores. Os cuidadores também merecem visibilidade.

Qual é a lição que você espera que aprendam com o livro?

Acho que o ponto a ser pensado são as escolhas e suas consequências. Toda escolha muda vidas. Mesmo diante de transtornos, escolhas geram consequências — e é importante discutir isso sem julgamentos simplistas. Acho que pensar de forma empática, saindo um pouco de si e se colocando na pele do outro, nos ajuda a pensar de forma mais global e menos egoísta. Não dá mais para varrer a sanidade e a falta dela para baixo dos tapetes, como se fossem problemas que não existem. É necessário cuidar da saúde mental.

Quais são seus planos? Pretende escrever um novo livro ou se aventurar por outros gêneros?

Eu já estou imersa em outro projeto. Estou escrevendo a história de uma mulher nordestina, negra, retirante e profundamente resiliente, que tem um inconformismo ímpar e um senso de justiça aguçado, que geram uma incapacidade de aceitar injustiças e violência. Vencida pela própria natureza, ela vai precisar tomar decisões difíceis e arcar com as consequências.

Você poderia, por favor, deixar uma mensagem para os nossos leitores?

Claro, com prazer! Minha mensagem é de gratidão. Obrigada por dar oportunidade e voz à história de Humberto, um Inimputável. Espero que essa estória os acolha e gere reflexão. Quem decidir mergulhar nesse suspense e se puser a repensar as escolhas feitas pelos personagens e questionar quais seriam as suas, acredito que terá uma experiência diferente, divertida e cheia de reflexões.

Deixo aqui o meu abraço e um convite. Se você gosta de histórias que provocam, emocionam e mexem com os limites entre sanidade e justiça, venha conhecer o “Inimputável”.