Giulia Magno mora em Bauru, interior de São Paulo, tem 18 anos e teve o primeiro livro “Os Sonhos de Gemini” lançado recentemente. Em entrevista especial ao GeekPop News, Magno nos conta sobre as inspirações para a construção da primeira narrativa publicada e um pouco da própria história até chegar a realização de um sonho pessoal. Atualmente ela cursa linguística na UFSCAR, Federal de São Carlos. O bate papo também contou com dicas de como iniciar no universo literário.
Primeiramente, conte um pouco sobre sua trajetória, tudo o que achar importante para iniciarmos.
Eu terminei o meu colegial ano passado, com 17 anos, no meio da pandemia e foi muito caótico e triste. Foi nesse momento que comecei a escrever com mais frequência, como uma válvula de escape para a pandemia, pra conseguir entender melhor o mundo ao meu redor, me distrair e criar um espaço seguro pra mim. Eu participei de uma antologia. Encontrei uma professora no instagram, comecei a ter aulas com ela de escrita criativa, com um grupo muito legal. Foi nesse momento que eu comecei de fato a escrever bastante. E aí esse ano eu comecei a escrever toda a questão do meu próprio projeto solo, do meu próprio livro, depois que publiquei a antologia.
E como se iniciou o seu gosto pela leitura ? Como você entrou nesse universo literário?
Então, eu leio muito faz muito tempo. Porque eu lembro que com 11 anos eu comecei a ler obsessivamente por um tempo. Eu comecei a ler sagas e vários livros. Eu fiquei apaixonada por esse universo. Antes eu lia muito quadrinho, muito livrinho assim, mais pra criança mesmo. Quando entrei no sexto ano, eu comecei a ver que tinham infinitas possibilidades de histórias, que eu não podia ver história só por filmes, que tinham jeitos de eu ouvir histórias e de conhecer outros universos, fiquei muito empolgada. Chegou ano que eu lia 80 livros, uma coisa fora da proporção.
Eu era muito nova quando comecei a ler, então acho que isso fez com que eu tivesse uma boa formação, uma boa base para escrever o meu próprio livro tão cedo. Porque eu acho que uma coisa que ajuda muito pra você escrever um projeto, é quando você tem uma bagagem muito boa do gênero que vai trabalhar.
Então como eu já tinha lido muitos livros de fantasia, diversos autores, já tinha uma bagagem boa pra fazer meu projeto. E antes de iniciar o projeto eu tive esse um ano de estudo, que foi em 2020. Então eu acho que eu me apaixonei pelo universo literário porque eu gostava muito de história, sempre gostei. E quando eu era mais nova e não sabia ler e nem escrever, eu ficava inventando as histórias e contando meu irmão mais novo. Eu contava umas coisas nada a ver e ele acreditava em tudo que eu contava, era tipo, o papai noel dele, sabe. Todas as brincadeiras, todas essas coisas era sempre eu que inventava. Então foi meio que meu treino de contadora de histórias na infância. Acho que foi um processo de várias coisas e eu acabei continuando nesse ramo até agora.
Você conta que começou com as fanfics. Como foi esse processo para você, qual livro te trouxe a ideia de “vou começar a fazer fanfic,”? Conta um pouquinho pra gente sobre isso.
Eu lembro que eu tinha lido Percy Jackson. E assim, 10 livros, eu devia estar satisfeita, porém não estava porque eu queria mais da história. Principalmente porque achei um absurdo os personagens que eu mais gostava, que eram o Percy e Annabeth, eles tiveram o primeiro beijo deles, eles falaram tipo “ah, eu te amo”, mas foi só isso, não teve mais nada no desenvolvimento deles, porque tinha muita coisa acontecendo na saga. E eu falei “não, eu vou escrever, eu quero mais”.
Aí eu descobri o Wattpad, que na época era uma febre, todo mundo da minha sala meio que tinha o Wattpad, lia e tinha fanfics. E eu comecei a ler fanfics e comecei a escrever também. Só que chegou uma parte que eu comecei a pegar o universo que o escritor já tinha pronto, tipo Percy Jackson, e ao invés de usar os mesmos personagens que ele, eu criava os meus personagens e inseria naquele universo e criava minhas próprias aventuras. Porque eu achava mais divertido do que ficar 100% copiando tudo que estava ali. Eu lembro que publiquei fanfic de Harry Potter, de Percy Jackson e isso na época dos meus 13, 14 anos, que comecei a escrever bastante.
No Wattpad também tem a possibilidade de você publicar livros independentes, sozinha e gratuitos, e aí eu escrevi um livro inteiro, demorou um ano para sair, acho dos meus 14 aos 15. Mas atualmente eu leio o livro e falo: “gente, que bosta, muito ruim” (risos). Me dá uma vergonha alheia, mas tipo, era o que eu sabia fazer na época, eu tinha 14 anos, então é desculpável. E eu sei que esse projeto também me ajudou a crescer pra eu poder chegar em um ponto que eu escrevo bem. Acho que depois desse momento eu nunca mais parei de escrever.
Qual foi a sua inspiração para escrever o livro “Os Sonhos de Gemini” e quanto tempo você demorou para concluir ele?
Na verdade, o “Sonhos de Gemini” eu tive um sonho do primeiro capítulo, que é quando ela acorda numa praia deserta, sem lembrar quem ela era e ela fica tipo “o que está acontecendo?”. E ela anda pela praia e entra numa caverna bizarra. Eu sonho bastante e teve um dia que eu sonhei com isso. Só que assim, não tinha os detalhes a mais que eu coloquei na história. E quando eu acordei eu anotei meu sonho, porque eu tenho meu caderninho de sonhos, que eu anoto tudo que acho interessante. E falei “putz, isso é uma boa história. A menina acorda em uma praia, sem saber quem ela é, e dá pra desenvolver a partir daí”, e aí eu peguei essa história e comecei a escrever.
No começo mudou muita coisa, porque na verdade eu comecei a escrever essa história em 2020, comecei a rascunhar ela, ter as ideias pra ela, só que eu comecei a escrever todo dia a partir de janeiro de 2021. Eu pensei que só tinha o Orcus e Gemini na ilha. Minha primeira ideia é que só tinha os dois e só eles eram escolhidos, mas aí eu falei “nossa, cadê o conflito? cadê o sabor? Tem que ter mais gente”. E fui enfiando pessoas naquela ilha, fui fazendo as coisas. Então foi natural, e eu fui descobrindo as coisas conforme eu escrevia, não fiz um grande planejamento antes. Fui escrevendo e descobrindo junto com ela, com a Gemini no caso. Demorou um ano o projeto, se eu for pensar nos meses que eu fiz, basicamente uns nove, oito meses de escrita e uns três meses para fazer o lançamento dele.
Um elemento interessante foi a amizade que eles têm, dessa transparência dos sentimentos de cada um. Qual foi a sua inspiração para trazer isso aos personagens protagonistas?
Eu tenho ótimas amizades, acho que eu construí muito cedo isso, Tenho um grupo de amigos muito legal e com certeza isso ajuda a ter uma noção das dinâmicas de conversas, de relação de uma amizade pra colocar no meu livro. Porque as conversas deles são naturais, eles se xingam, eles brincam, eles têm essas coisas da naturalidade das amizades do cotidiano. Eu tentei aplicar um pouco disso na minha história com certeza. E o fato de que eu amo quando a história é narrada por múltiplos pontos de vista, acho que isso dá uma coisa muito mais profunda.
A minha ideia inicial era de ser só narrado pela Gemini. Tanto que os primeiros, acho que os oito capítulos são só ela narrando. Só que eu vi que precisava dos outros pontos de vista, pra história ficar completa. E eu fui desenvolvendo os outros personagens, fui gostando deles e pensei “quero que todo mundo tenha uma voz”. E acabei criando isso, fazendo com eles tivessem mais pontos de vista e com certeza isso deixou o livro muito mais gostoso de ler. Agora que eu estou relendo ele também achei isso. E foi isso. Amizades reais e também nos livros, como eu sempre gostei dessa questão, sempre fui muito fã de Percy Jackson, que são múltiplas narrativas.
Durante o processo de escrita você fez muitas adaptações de personagens e passagens? Você comenta em um vídeo no seu canal do Youtube a importância de outras pessoas lerem o que escrevemos exatamente pelo fato de muitas vezes não notarmos as pontas soltas da história por exemplo, pois nos “viciamos” no que escrevemos, sem notar os erros e até concordâncias. Como foi isso para o livro “Os Sonhos de Gemini”, da escrita até o lançamento?
Eu tive seis leitoras betas que foram amigas minhas que também são escritoras, que estão no book instagram, e eu passei o livro pra elas primeiro e elas deram vários insights super valiosos pra obra, várias coisinhas que eu falei “putz, dá pra mudar isso, essa cena não ficou tão fluida, esse parágrafo podia descrever a situação de outro jeito” ou “essas palavras repetiram muito”. Porque quando você escreve, você não consegue ver, sua visão está totalmente viciada.
Eu não alterei muita coisa, tipo sobre os personagens ou sobre cenas inteiras, eu alterei coisas mais pontuais que é impossível ver e que outras pessoas conseguiram ver. Também tive uma leitura sensível, porque uma das minhas protagonistas é preta e eu queria que tivesse uma pessoa que lesse e falasse “putz, você não está fazendo nenhuma merda” não replicando nenhum estereótipo preconceituoso. Então ter essa leitura sensível, acho que é um ponto muito importante porque tiveram coisas que me apontaram e falaram “ é melhor você trocar essa terminologia, essa descrição não está legal”. Foi algo que eu aprendi muito e que eu sinto que me evoluiu como pessoa e como escritora e que foi importante para o livro.
Você pretende escrever mais alguma história? Quais seus planos futuros?
Então, “Os Sonhos de Gemini” acabou, mas não acabou. Porque eu queria dar uma conclusão pro livro, dar um ponto final pra maior premissa dele, que o tempo todo é o sonho e as vozes falando “Você está vazando”, eu queria que esse “está vazando” fosse consertado e que o leitor soubesse o que ele era, e que a Gemini tivesse a possibilidade de concluir essa premissa que ela iniciou o livro.
Mas ao mesmo tempo, putz, é um planeta, com milhares de ilhas, é um continente, é uma coisa muito boa pra eu explorar. Então eu deixei o final em aberto para um segundo livro que eu já comecei a escrever e que eu pretendo lançar ano que vem também. Esse seria o meu projeto mais pendente, que eu tenho mais foco e ao mesmo tempo eu comecei a desenvolver uma comédia romântica, porque eu gosto muito dessa vibe e eu nunca tinha focado para escrever, e é um gênero que você tem que pensar em menos coisas assim. Então eu acho que é uma coisa que eu conseguiria fazer paralela e que daria certo. Mas eu ainda não sei, não tenho nem nome pra coisa, são só ideias.
Como é para você, ser uma escritora tão jovem, dentro de um cenário que a literatura nacional busca mais força, levando em consideração também de ser uma mulher escritora?
O que eu vejo é que agora as coisas estão começando a mudar. Há uns cinco anos atrás, a literatura nacional era bem desconhecida. Eu acho que uma coisa que ajudou, pelo menos a contemporânea, os clássicos sempre foram tratados nas escolas etc. Uma coisa que ajudou, por incrível que pareça, a literatura nacional a deslanchar foi a pandemia, porque eu vi que em 2020, 2021 a maior parte dos books instagramers que eu conheço criou nessa época um instagram sobre livros.
As pessoas voltaram a ler. Tanto que na Bienal teve até reportagem (falando) que nunca nunca tanta gente se interessou por livros como nesse último ano. É uma experiência completamente diferente. Então eu acho que nesses últimos dois anos, abriu mais portas, mas eu ainda sinto que eu estou no meio, onde eu vou abrir caminho para outras pessoas que vão vir depois, assim como todas as escritoras que estão aqui de frente comigo publicando e tentando, tendo seu livro pirateado. Inclusive aconteceu comigo.
Pessoas ridicularizando a sua obra, e é uma coisa que a gente enfrenta, mas que eu acho que com o tempo isso vai melhorar e eu vou viver os benefícios dessa coisa que eu estou fazendo agora mais tarde e outras pessoas também vão poder viver esse benefício. É algo que você tem que fazer, porque eu quero fazer, eu quero publicar meu livro, quero que pessoas leiam ele. Até porque eu escolhi o modo independente, que é outro rolê super difícil de fazer, que me ensinou muito sobre todos os estágios de publicação de um livro, porque eu tive que fazer todos eles e contratar pessoas para fazerem eles, procurar, ir atrás.
É difícil, tem muito contratempo, muita gente desvalorizando seu trabalho. Às vezes você fica chateada. Eu fiquei chateada com vários comentários que eu vi na internet, do tipo “ah, literatura nacional não presta”. Mas é uma questão de “vou fazer” e eu tenho 100% de certeza que daqui a 10 anos o cenário vai ser outro, que vão ter mais pessoas ainda, que vai abrir mais portas e que vão ter muito mais escritores brasileiros conseguindo publicar suas obras.
O que te dá forças para continuar com seu trabalho e transformar a sua vida das pessoas ao redor que acreditam no que você produz?
Eu não consigo me ver vivendo sem escrever, faz muito tempo que eu escrevo e agora eu vejo que posso continuar escrevendo e em algum dia começar a viver disso. Acho que esse não é o momento agora, por mais que eu tenha vendido bastante livro, com a publicação independente eu não ganho muito com essas vendas, então eu sei que agora eu não posso viver vendendo livro, mas eu sei que vou continuar escrevendo para sempre, porque é uma coisa que eu amo, é uma coisa que faz com que eu me sinta assim viva, desperta. Eu acho que sinceramente estou nesse mundo para contar histórias, mesmo que uma pessoa leia minha história já está bom pra mim. Meu sonho é poder levar isso como meu sustento, como um modo de vida mesmo. É uma paixão que eu posso encontrar uma carreira.
E essa coisa de incentivar outras pessoas, acho que é o acesso a informação, porque quando eu comecei a publicar o meu livro, por mais que eu conhecesse pessoas, por mais que eu conhecesse algumas informações, eu não sabia que você tinha que contratar revisor, você tinha que contratar capista, que você tinha que ter um ISBN para sua obra ter um certificado dela, que você tinha que diagramar ela. São infinitos fatores que você precisa para publicar uma obra de modo independente e eu queria que esse conhecimento fosse acessível a nós escritores.
Então no meu canal no Youtube eu fiz um vídeo de vinte minutos explicando como fazer esse processo, onde achar esses profissionais e é uma coisa que eu sempre trago no meu instagram e que eu vejo que as minhas amigas escritoras também trazem. Então, é isso, é o acesso à informação. Acho que esse trabalho que a gente faz, de colocar essas informações, desse jeito de conseguir publicar um livro no mundo é muito útil, e é gratuito, então qualquer um pode começar a ver, entender e se interessar.
Você falou que gosta muito de fazer diversas anotações. Você também escreve algo além de histórias, como poesia, poemas ?
Eu sou apaixonada por poema. Por muito tempo eu escrevia só poesia, porque é um jeito que eu encontrei de perceber o mundo ao meu redor e de me perceber, como se fosse um diário, só que eu nunca gostei de colocar meus pensamentos ali, totalmente explícitos pra alguém abrir e ler, então eu colocava de forma muito subjetiva. Eu comecei a escrever bastante poemas, com essa coisa subjetiva para descrever o que eu estava sentindo.
Essa raiva, esse amor, essas coisas que às vezes a gente quer que sejam bem privados, eu descobri que através dos poemas eu poderia colocar isso e ninguém ia saber do que eu estava falando mas ao mesmo tempo todo mundo ia saber porque o sentimento ia estar lá pra quem quisesse se identificar. Foi uma das formas de escrita que eu mais gostei, é uma coisa que eu faço rotineiramente, e você vai pegando prática também e entendendo melhor as mecânicas e diversas coisas. Então é um gênero que eu gosto muito. Contos eu gosto muito, mas eu não tenho muita prática, precisava investir mais.
Qual a mensagem que você deixa para as pessoas que desejam viver da escrita e encarar o universo literário?
Eu acho que primeiro você tem que gostar do que você faz, tem que gostar da sua história. Uma coisa que quando eu estava escrevendo “Os Sonhos de Gemini” eu percebi, é que me dava forças pra escrever porque eu estava amando escrever, tipo as interações, os romances, o universo. Então como era algo que eu gostaria de estar lendo, eu continuei escrevendo. Então escreva aquilo que você gosta de ler, primeiramente, pra você ter aquela força, porque terminar um livro não é fácil. Tem vários momentos que você fala “eu vou jogar tudo pro alto”. E você tem que ter esse incentivo de gostar daquilo que está fazendo e ter muita perseverança, ter muita paciência, entender que as coisas estão mudando, que elas vão mudar mais ainda no futuro e buscar o conhecimento, buscar a informação dos modos gratuitos que existem.
E se inserir na comunidade literária, eu acho que é uma dica muito legal, porque eu encontrei pessoas muito bacanas, fiz amizades muito legais. Recentemente a gente fez um encontro das escritoras desse grupo que eu tenho, de todo o Brasil. A gente se encontrou em São Paulo e foi super bacana. Então é um apoio que a gente tem quando tem outras pessoas da nossa área ali do nosso lado, escrevendo com a gente, passando pelas mesmas coisas. A comunidade literária do instagram é muito bacana, do Youtube também. Eu acho que vale a pena você tentar se inserir nesse mundo, porque ele é muito receptivo, muito aberto e é isso que eu vejo. Então acho que esses seriam os maiores pontos para um escritor que quer começar nessa área.
E se as pessoas quiserem conhecer o seu trabalho elas podem te encontrar por quais meios?
Meu maior campo de atuação na internet é o Instagram: Giulia Literária. Eu posto lá diariamente, é uma coisa frequente. Quem quiser acompanhar o trabalho, pode ir diretamente por lá. Eu também tenho uma conta no TikTok, que é Giulia Literária e no Youtube que é Giulia Literária. Então assim, é fácil me achar porque eu uso o mesmo nome em tudo, onde você me procurar eu vou estar com esse nome.