Por que as novas gerações, especialmente as mulheres, não planejam casar e ter filhos como as anteriores? Essa é a questão central que Fernanda Las levanta em “Família: mitos ancestrais e crises da maternidade”.

Com quase 25 anos de atuação no Direito de Família e Sucessões, a professora e advogada começou a questionar seus alunos sobre os motivos que os levavam a não ter mais o mesmo desejo de constituir uma família. Segundo Fernanda:

“Estas questões me fizeram perceber que os índices mundiais de natalidade estavam ano após ano em decréscimo. Vi que era um fenômeno mundial a ser estudado, somei a esta inquietação buscar os motivos da mulher na pós-modernidade não querer maternar, como surgiram estes movimentos e as causas deles se multiplicarem. Queria entender os motivos do afastamento de relacionamentos heterossexuais a nível mundial”.

Assim, a partir dessa reflexão, Fernanda percebeu a importância de discutir como, apesar das transformações sociais evidentes, certas dinâmicas permanecem presentes nas varas de família. Ao unir direito, sociologia, antropologia, história e psicologia, ela então construiu uma profunda análise sobre os mitos que cercam os estereótipos femininos e masculinos.

A pesquisa

A pesquisa então revela que a vulnerabilidade feminina não é um traço biológico. Ao contrário, ela é de fato uma construção social e cultural alimentada por narrativas históricas falhas e mitos ancestrais travestidos de verdades científicas. O mesmo vale para a suposta natureza violenta masculina, igualmente moldada por repetições culturais ao longo do tempo. Fernanda dividiu um pouco sobre o processo:

“A pesquisa revelou-se um processo de “realfabetização” para mim, enquanto mulher. Ao aprofundar a investigação, descobri informações que antes permaneciam veladas. Deparei-me com narrativas inventadas sobre as mulheres na pré-história, retratando-as de forma estereotipada, como se ficassem confinadas em cavernas. Tais representações, inclusive presentes em livros didáticos e desenhos animados, naturalizavam a violência sexual e doméstica. Na pesquisa descobri, por exemplo, achados arqueológicos no Peru, datados de 2013, que demonstram a presença de mulheres caçadoras, refutando a divisão de papéis tradicionalmente imposta”.

Apesar das mudanças legislativas e sociais, certas dinâmicas ainda persistem na atualidade e nas Varas de Família. Essas são sustentadas por mitos que se repetem de geração em geração. Essas crenças, muitas vezes naturalizadas, seguem influenciando comportamentos, decisões e a própria estrutura das relações familiares.

Mudanças propostas

Aprofundando-se em temas como a maternidade sacralizada, o trabalho de cuidado não remunerado, a desigualdade no mercado de trabalho e as crises de natalidade, Fernanda propõe uma reflexão sobre caminhos possíveis de transformação. A autora defende que:

“O problema está na formação da sociedade que tem suas bases forjadas na divisão de trabalho a partir de papéis de gênero, que foram baseados em mitos, mentiras e histórias inventadas sobre o passado e verdades intencionalmente escondidas também. Se todos tiverem acesso à realidade, baseada em dados, podemos perceber que é possível reverter a baixa natalidade, os índices de violência contra a mulher, os índices de suicídio entre os homens. Basta mudanças baratas em políticas públicas para evitar uma crise econômica e previdenciária nos próximos anos.”

Imagem de capa: Amazon