Segunda edição do Festival Filmes Incríveis reúne 14 filmes de diversos países em uma seleção provocativa e premiada em Cannes, Berlim e Roma

De um aspirador de pó fantasma a rituais de vigilância social, a segunda edição do Festival Filmes Incríveis estreia hoje (31), no REAG Belas Artes, em São Paulo. O evento vai até 13 de agosto.

Reunindo 14 longas de 14 países diferentes, o festival apresenta uma curadoria ousada que percorre gêneros como thriller psicológico, drama político, fábula surreal e comédia.

A seleção contempla tanto nomes consagrados quanto vozes emergentes do cinema autoral, numa proposta que convida o público a sair da zona de conforto.

CRÍTICA - Rabia - As Mulheres do Estado Islâmico
Rabia é um dos filmes escolhidos para participas do festival | Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Festival Filmes Incríveis destaca cinema contemporâneo global

Entre os destaques está A Useful Ghost, do tailandês Ratchapoom Boonbunchachoke, vencedor do Grand Prix da Semana da Crítica em Cannes 2024, sobre um espírito que reencarna como aspirador de pó em uma narrativa que mistura humor, luto e crítica social.

O thriller japonês Confession, dirigido por Nobuhiro Yamashita, adapta um mangá cult em um jogo de manipulações e verdades parciais. Já o húngaro Feels Like Home transforma um sequestro doméstico em um tenso estudo de identidade e pertencimento.

Filmes de Sérvia, Geórgia, Vietnã, Finlândia, Tunísia, Grécia, Estônia, Bélgica e Turquia completam a programação, cada qual trazendo perspectivas únicas sobre temas contemporâneos, da alienação urbana aos dilemas pós-coloniais.

Obras como Panopticon, da Geórgia, e Bury Us in a Lone Desert, do Vietnã, ampliam o escopo sensorial do festival ao explorar cenários áridos e atmosferas quase distópicas.

Veja abaixo os filmes que participarão do festival:

Rabia – As Esposas do Estado Islâmico

CRÍTICA - Rabia
O filme mostra o dia a dia de mulheres sob um regime extremista | Foto: Pandora Filmes/Divulgação

Rabia é um drama intenso que mergulha nos mecanismos de manipulação e radicalização de jovens mulheres europeias atraídas pelo discurso extremista do Estado Islâmico.

Dirigido por Mareike Engelhardt e baseado em relatos reais, o filme acompanha a trajetória de Jessica, uma adolescente francesa que abandona sua vida no Ocidente em busca de pertencimento e propósito, mas acaba aprisionada em um sistema autoritário comandado por uma figura feminina igualmente sedutora e opressora.

A atuação de Megan Northam, indicada ao César 2025, é um dos pilares do filme. Ela revela a complexidade de uma jovem dividida entre a submissão e a resistência.

Kelti

Festival Filmes Incríveis - Kelti
Kelti revela o íntimo e o político em um só dia | Foto: Irena Canić/Divulgação

Ambientado na Sérvia em pleno inverno de 1993, Kelti retrata um dia na vida de uma mulher à sombra da desintegração da Iugoslávia.

Enquanto Belgrado enfrenta sanções internacionais e uma economia em colapso, a protagonista se desdobra para organizar a festa de aniversário da filha mais nova. Ela tenta, assim, preservar algum senso de normalidade em meio ao caos.

Em contraste com os preparativos cotidianos, o filme revela sua intimidade silenciosa, marcada pela ausência de desejo conjugal e pela descoberta do prazer solitário.

A diretora Milica Tomovic entrelaça a rotina doméstica com a tensão social e política do período. Com isso, compõe um retrato sensível e, ao mesmo tempo, incisivo da vida sob um regime em ruínas.

Panoptikoni

Festival Filmes Incríveis - Panoptikoni
Sandro percorre os limites entre fé, repressão e desejo | Foto: Reprodução/IMDB

Panoptikoni, estreia em longa-metragem do diretor George Sikharulidze, mergulha nas angústias e contradições da juventude em uma Geórgia marcada por tradições e mudanças.

A narrativa acompanha Hen Sandro, um adolescente introspectivo confrontado com o abandono dos pais e o peso das expectativas sociais.

Ao se aproximar de Lasha, um jovem envolvido com o extremismo, Sandro inicia um processo de autoconhecimento que inclui a descoberta de sua sexualidade, em uma trama que costura religião, política e identidade pessoal.

100 Litraa Sahtia

100 Litraa Sahtia
Duas irmãs correm contra o tempo para salvar o casamento nessa comédia finlandesa | Foto: IMDB/Divulgação

Em 100 Litraa Sahtia, o diretor Teemu Nikki transforma uma premissa simples em uma comédia irreverente sobre falhas humanas, vínculos familiares e orgulho comunitário.

Duas irmãs de meia-idade, encarregadas de fabricar cerveja artesanal para um casamento, acabam bebendo toda a produção e se veem forçadas a improvisar uma nova leva às pressas, tudo isso enquanto enfrentam ressacas monumentais.

Filmado na pequena cidade de Sysmä com participação ativa dos moradores locais, o longa combina humor escandinavo, sensibilidade rural e atuações carismáticas de Ria Kataja, Elina Knihtilä e Pirjo Lonka.

Feels Like Home

Fells Like Home
Feels Like Home explora os limites da identidade e do controle | Foto: Reprodução/IMDB

No thriller húngaro Feels Like Home, o diretor estreante Gábor Holtai conduz uma narrativa inquietante em que uma mulher é sequestrada e forçada a assumir a identidade de uma filha desaparecida de uma família desconhecida.

Presa em uma casa onde todos insistem que ela pertence, a protagonista precisa equilibrar o medo, a desconfiança e a urgência por liberdade enquanto desempenha um papel que não escolheu.

O longa aposta em tensão psicológica e estética visual marcante para manter o espectador imerso até o fim.

Buzzheart

Buzzheart
Buzzheart conduz o espectador por um suspense psicológico intenso | Foto: IMDB/Reprodução

Em Buzzheart, o diretor Dennis Iliadis mergulha no suspense psicológico para retratar até onde os pais são capazes de ir para proteger a filha, e testar quem entra em seu universo familiar.

Ambientado na Atenas dos anos 90, o longa revela o embate entre controle, amor obsessivo e perversidade com estética retrô e atmosfera sufocante.

Com influências da chamada “Greek Weird Wave”, o filme desafia o espectador a lidar com cenas incômodas, objetos perturbadores e moralidade distorcida. Uma trama densa, com humor ácido e tensão crescente.

Bury Us in a Lone Desert

Festival Filmes Incríveis - Bury Us in a Lone Desert
Um ladrão, um velho e um último desejo no meio do deserto | Foto: Gudtrip Collective

Bury Us in a Lone Desert é um filme vietnamita que mistura comédia e drama em uma narrativa curta, de apenas 62 minutos, mas carregada de simbolismo e emoção.

A partir do ponto de vista de um ladrão que invade uma casa e encontra uma réplica de gesso da falecida esposa do morador, o longa conduz o espectador por uma jornada inesperada de afeto e redenção.

Inspirado por uma história real, o diretor Le Hoang Phuc Nguyen constrói uma obra que transita entre o absurdo e o sensível, apostando em uma linguagem visual ousada, para explorar os limites do vínculo humano, mesmo entre desconhecidos.

The Exalted

The Exalted
Uma organista alemã vê sua vida desmoronar ao descobrir a corrupção dentro de casa | Foto: Reprodução/IMDB

The Exalted mergulha nas consequências íntimas da corrupção, acompanhando Anna, uma organista alemã que vê sua vida ruir ao descobrir o envolvimento do marido letão em um esquema escuso.

Com locações entre a Estônia, Letônia e Grécia, o filme articula drama pessoal e contexto político em tempos instáveis.

A música não é mero pano de fundo: executada pela própria atriz Johanna Wokalek, ela se torna extensão emocional da protagonista, enquanto o silêncio entre o casal expõe as fraturas de um relacionamento abalado por verdades irremediáveis.

A Useful Ghost

Festival Filmes Incríveis - A Useful Ghost
Uma mãe reaparece em forma inusitada para proteger quem ama | Foto: Reprodução/IMDB

Com uma proposta inusitada e toques de humor absurdo, A Useful Ghost transforma o luto em fábula contemporânea. Dirigido por Ratchapoom Boonbunchachoke, o longa acompanha o espírito de uma mãe que, após falecer por complicações respiratórias, retorna na forma de um aspirador de pó para proteger o marido.

Ao longo da trama, comédia, fantasia e crítica social se entrelaçam de maneira inventiva, permitindo que temas complexos, como poluição ambiental, precarização do trabalho e os limites das tradições familiares, sejam tratados com leveza e acidez.

Além disso, o roteiro se vale de situações inusitadas para questionar o papel da morte e da memória nas dinâmicas familiares contemporâneas.

Estreando na prestigiada Semana da Crítica do Festival de Cannes 2025, o filme não apenas atraiu atenção internacional, como também conquistou o Grand Prix AMI Paris, um feito inédito para o cinema tailandês.

Dessa forma, A Useful Ghost reafirma o potencial do humor como ferramenta de subversão e reflexão social.

Reedland

Reedland
Reedland transforma a paisagem em espelho da culpa | Foto: Viking Film/Divulgação

Em Reedland, o diretor Sven Bresser mergulha na atmosfera silenciosa e densa dos campos de junco da região de Weerribben, onde o cotidiano de Johan, um trabalhador rural idoso, é abalado pela descoberta do corpo de uma menina.

O drama caminha por entre paisagens enevoadas e sons naturais. Ele traduz em imagens e ruídos a complexidade emocional de um homem atormentado por culpa e silêncios.

Mais do que um thriller rural, o filme é uma fábula moderna sobre luto, moralidade e herança familiar. A trama é marcada pela atuação crua e espontânea de Gerrit Knobbe, ele mesmo um cortador de juncos na vida real.

Aisha Can’t Fly Away

Festival Filmes Incríveis - Aisha Can't Fly Away
O filme revela a angústia dos migrantes africanos no Cairo | Foto: Reprodução/IMDB

Em Aisha Can’t Fly Away, o diretor egípcio Morad Mostafa conduz o espectador por um retrato, ao mesmo tempo brutal e onírico, da vida de migrantes africanos no Cairo, centrado na jornada silenciosa e impactante de Aisha, uma jovem cuidadora somali. Desde os primeiros minutos, o filme mergulha o público em um ambiente marcado pela exclusão e pela tensão constante.

Misturando, de forma habilidosa, realismo social com elementos de surrealismo e body horror, o longa não apenas denuncia tensões étnicas, invisibilidades e violências do cotidiano, como também propõe uma linguagem visual que desafia convenções.

Nesse sentido, a narrativa se destaca por uma abordagem estética ousada, que transforma o corpo e o espaço em territórios de conflito simbólico.

Além disso, como estreante em longas, Mostafa imprime à obra um olhar profundamente autoral, ao transferir para a tela vivências pessoais e observações do bairro popular de Ain-Shams, onde cresceu.

Por isso, o resultado é um filme que não apenas provoca reflexões urgentes, mas também já figura entre os mais destacados do ano.

Kokuhaku Confession

Kokuhaku Confession
Uma cabana, uma tempestade, um segredo que muda tudo | Foto: Divulgação

Confession (Kokuhaku) é um thriller psicológico japonês que prende o espectador em uma cabana isolada. Lá, dois alpinistas confrontam não apenas o risco de morte, mas também verdades ocultas.

Dirigido por Nobuhiro Yamashita, o longa adapta o mangá de Nobuyuki Fukumoto e Kaiji Kawaguchi com uma abordagem intimista e densa.

A revelação de um segredo no momento mais desesperador transforma a dinâmica entre os protagonistas. Isso cria uma tensão crescente que se desenrola em tempo quase real.

Com 1h14 de duração, o filme aposta em silêncios cortantes, clima claustrofóbico e atuações contidas, evocando influências do suspense clássico.

The House with No Address

Festival Filmes Incríveis - The House with No Address
O filme tensiona ética e justiça na estreia de Hatice Aşkın | Foto: Cine Europa/Reprodução

The House with No Address propõe uma reflexão distópica sobre justiça, exclusão social e moralidade em uma sociedade rígida e punitivista.

Ao mesclar elementos de ficção científica e thriller psicológico, o longa acompanha Alper, um promotor dedicado que, no entanto, precisa reavaliar suas convicções ao ver sua própria mãe ser condenada.

A partir dessa virada pessoal e inesperada, o filme passa a explorar as fronteiras entre legalidade e ética, aprofundando-se no conflito entre dever institucional e vínculo afetivo. Assim, o protagonista é confrontado com um dilema que abala as bases do sistema que ele próprio ajudava a sustentar.

Além do enredo provocador, a estreia de Hatice Aşkın no longa-metragem apresenta uma narrativa tensa e visualmente marcante. Por meio de uma articulação precisa entre crítica social e estética distópica, a diretora constrói uma obra que instiga e inquieta o espectador.

The Kiss of the Grasshopper

The Kiss of the Grasshopper
Bernard e sua fiel companheira atravessam campos e delírios | Foto: Borris Kehl/Color of May

Em The Kiss of the Grasshopper, Elmar Imanov constrói um drama surrealista que mistura poesia visual e realismo mágico para abordar temas como luto, isolamento e amadurecimento.

A trama acompanha Bernard, um homem excêntrico que vive recluso com sua ovelha de estimação. No entanto, a doença do pai o força a encarar um mundo interno e externo em colapso.

Além disso, o longa, exibido na seção Forum da Berlinale 2025, se destaca por sua abordagem simbólica e atmosférica. Vale destacar que o roteiro foi escrito pelo próprio diretor após a morte do pai, refletindo, assim, suas inquietações pessoais.

Imagem de capa: REAG Belas Artes/Divulgação