No teatro, a saga de Jogos Vorazes se reinventa com diálogos inéditos, expansão de personagens e arena imersiva

Ao longo de mais de 15 anos, Jogos Vorazes deixou de ser apenas uma trilogia para jovens e se tornou um fenômeno cultural global. Os livros de Suzanne Collins venderam milhões de cópias e ganharam traduções para dezenas de línguas. Além disso, inauguraram uma das franquias cinematográficas mais emblemáticas da década de 2010, justamente quando as distopias adolescentes começavam a dominar o mercado e atrair multidões.

Originalmente, a saga ganhou vida com três filmes que impulsionaram Jennifer Lawrence ao estrelato e abordaram política, controle social e a espetacularização da violência. Desse modo, “Jogos Vorazes” conquistou relevância crítica e comercial e impulsionou debates que continuam até hoje.

Agora, Panem ganha um novo território: o teatro. A nova adaptação não só revisita a história, como também amplia o universo criado por Collins. Ainda, surge em um momento estratégico, quando a franquia se prepara para voltar às telas com um novo longa adaptado do livro lançado neste ano.

Do papel para as telas: a força de um universo em expansão

Entre 2008 e 2010, a saga começou a ganhar forma com a publicação dos livros. Com o sucesso literário, a Lionsgate comprou os direitos da obra e, assim, vieram os três primeiros filmes. Com Jennifer Lawrence dando vida à destemida Katniss Everdeen e Josh Hutcherson interpretando Peeta Mellark, os longas se tornaram sucessos de bilheteria e marcaram a cultura pop.

Segundo filme da saga "Jogos Vorazes"
Euan Garrett, Elizabeth Banks e Jennifer Lawrence como Peeta Mellark, Effie Trinket e Katniss Everdeen no segundo filme da saga. Crédito: Divulgação/Lionsgate

Depois, quando muitos acreditavam que a história havia terminado, Suzanne Collins surpreendeu: dez anos após o lançamento de “A Esperança” (2010) e cinco anos após o último filme (2015), ela publicou o novo livro “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”. Dessa vez, a história voltou no tempo para explorar a juventude do Presidente Snow, durante a 10ª edição dos Jogos Vorazes, quando ele ainda era apenas um mentor de um tributo. Assim, em 2023, a Lionsgate adaptou o livro, com Tom Blyth e Rachel Zegler nos papéis principais.

Mas não parou por aí. Neste ano, outro livro voltou a expandir o universo de “Jogos Vorazes”, desta vez explorando uma figura já conhecida da trilogia original: Haymitch Abernathy. O livro “Amanhecer na Colheita” retorna 24 anos antes dos eventos originais e revisita a segunda edição do Massacre Quaternário, da qual Haymitch saiu vencedor.

O novo título vendeu mais de 1,5 milhão de cópias na primeira semana e se tornou a maior estreia da série. Com o sucesso, a Lionsgate anunciou mais um filme, previsto para 20 de novembro de 2026, com Jesse Plemons, Ralph Fiennes e Joseph Zada no elenco. Esse promete ser o maior filme da saga até agora.

A peça de ‘Jogos Vorazes’ como novo capítulo: Panem no palco

É nesse contexto que “The Hunger Games: On Stage” estreia em Londres. Mais do que adaptar o primeiro livro, a peça funciona como um novo capítulo do universo de “Jogos Vorazes”, deslocando a história para outra linguagem e transformando tudo em uma experiência presencial.

Dirigida por Matthew Dunster, conhecido por trabalhos fisicamente intensos no teatro britânico, a produção tem roteiro de Conor McPherson, dramaturgo irlandês indicado ao Tony.

A montagem parte do romance, mas avança além dele. O espetáculo traz diálogos inéditos, cenas ampliadas, novos detalhes sobre os tributos e referências às obras posteriores de Suzanne Collins. Assim, cria pontos de ligação entre diferentes momentos da saga e oferece uma visão mais ampla de Panem.

Com isso, personagens reduzidos nos filmes ganham mais presença, e situações tratadas rapidamente nas telas encontram espaço para se desenvolver. A peça, portanto, não apenas revisita o início da história, ela reposiciona esse começo dentro da cronologia maior da saga.

Euan Garrett interpreta Peeta Mellark, enquanto Mia Carragher vive Katniss Everdeen. O elenco também inclui dois brasileiros: Mariana Lewis como Glimmer, tributa do Distrito 1, e Felipe Pacheco como Cato, tributo do Distrito 2.

Entre peça e filme, Glimmer apresenta diferenças marcantes. No cinema, a personagem é mais “delicada”, quase uma princesinha. No palco, porém, Mariana Lewis adota uma interpretação mais firme e rigorosa, deixando clara desde o início a raiva e a competitividade de Glimmer.

Euan Garrett e Mia Carragher durante peça de Jogos Vorazes
Euan Garrett e Mia Carragher interpretam Peeta Mellark e Katniss Everdeen no palco. // Crédito: Divulgação/Johan Persson

Uma arena física: o teatro como extensão brutal de Panem

A peça “The Hunger Games: On Stage” acontece em um teatro totalmente construído e inaugurado para a produção: o Troubadour Canary Wharf Theatre. Com capacidade para cerca de 1.200 pessoas organizadas em formato “in-the-round” (com o público em volta do palco), o espaço recria uma arena, elemento essencial para a imersão da plateia.

A produção construiu um palco exclusivo porque precisava de uma estrutura que suportasse acrobacias, movimentos suspensos e cenas físicas intensas. Segundo o The Guardian, essa construção custou £ 26 milhões e reúne cerca de 42 mil peças de aço e alumínio, das quais 95% podem ser desmontadas e reutilizadas.

O teatro conta com bancos que se movimentam em momentos específicos, reorganizando o espaço conforme a cena avança. Esse recurso reforça a sensação de que o público participa diretamente dos Jogos.

Palco peça "Jogos Vorazes"
Entre plataformas móveis e efeitos práticos, o palco coloca o público dentro da narrativa. Crédito: Divulgação/Johan Persson

Em termos de dramaturgia, o teatro reforça a brutalidade dos Jogos. Segundo o Los Angeles Times, o espetáculo “é ainda mais sangrento” no palco: a produção não tenta mascarar a violência. Pelo contrário, exibe tudo de forma crua e sem filtros, algo intrínseco ao universo de “Jogos Vorazes” e que o time criativo faz questão de assumir.

Os recursos cênicos incluem acrobacias aéreas, quedas e combates coreografados, além de efeitos práticos com partes do palco que se elevam. Há também mecanismos que permitem que atores sejam lançados para cima ou se movam sobre o público. Além disso, a iluminação e o som dinâmicos intensificam os momentos de tensão, perigo e surpresa.

O Los Angeles Times destaca ainda a reconfiguração constante do espaço não só entretém, mas reforça a lógica dos Jogos: o palco funciona simultaneamente como arena de morte e como palco de espetáculo.

Dessa forma, o teatro se torna mais do que uma adaptação; ele é uma extensão viva de Panem. A estrutura física, os efeitos, a violência explícita e a coreografia intensificam os temas centrais da saga (poder, sofrimento e resistência) e fazem com que o público não apenas observe, mas “participe” simbolicamente dos Jogos.

‘Jogos Vorazes’ é um universo que continua crescendo

Com um novo filme em produção, a franquia volta ao centro das discussões sobre adaptações de mundos expansivos. Além disso, nos bastidores, produtores admitem que querem levar outros livros ao palco, sobretudo trechos que nunca chegaram às telas e que ganhariam leituras mais íntimas no teatro.

Se esses planos avançarem, o palco pode virar um novo braço oficial da saga. Esse movimento repete o caminho de “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis”, que encontraram no teatro uma forma de continuar suas histórias.

Desde os livros, o universo de Suzanne Collins se mostra flexível. Ele migra entre linguagens sem perder seu núcleo temático: poder, espetáculo, violência institucionalizada e resistência. Agora, com livros, filmes, prelúdios e o teatro coexistindo, “Jogos Vorazes” assume de vez sua identidade de ecossistema narrativo, um mundo expansível, multifacetado e cheio de possibilidades.

Imagem de capa: Divulgação/Johan Persson

Redatora em experiência sob supervisão de Giovanna Affonso.