Publicada originalmente em 1971, a editora Estação da Liberdade lança no Brasil o romance “Malina” da escritora austríaca Ingeborg Bachmann, com tradução feita por Carla Bessa. Um dos livros mais desafiadores da literatura europeia do pós-guerra, esta é a única obra concluída da trilogia da autora, “Maneiras de Morrer”.

Bachmann, considerada uma das vozes mais complexas e visionárias da escrita em língua alemã, tece uma narrativa que desafia as fronteiras da linguagem, da forma e da sanidade. Sua narrativa abandona qualquer pretensão de linearidade e se transforma de poética em descritiva para diálogos teatrais.

O livro tornou-se referência para escritores que buscam romper as formas tradicionais do romance. Ao tratar de temas como amor, morte, loucura e fascismo, a autora convida o leitor a ocupar um espaço instável, onde o trauma não se organiza em capítulos e onde as palavras, por vezes, falham.

A história de “Malina”

"Malina", de Ingeborg Bachmann, fala de linguagem e memória
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No centro da trama está uma narradora escritora, vivendo em Viena, dividida entre dois homens: um amante idealizado e Malina, companheiro andrógino de presença inquietante. No entanto, esse triângulo amoroso é apenas a superfície de um mergulho muito mais profundo. A partir dele, a autora revela fissuras emocionais, traumas familiares e o impacto duradouro da violência histórica.

Enquanto escreve, a protagonista se vê assombrada pelas memórias do pai e por uma Viena marcada pela destruição externa e interna. A busca por uma identidade se transforma, então, em uma jornada brutal pela linguagem, pelo desejo e pelos limites impostos a uma mulher que escreve.

O livro também reverbera ecos biográficos, especialmente a relação da autora com o poeta Paul Celan. Bachmann declarou tê-lo “amado mais do que a própria vida” em um discurso sobre a loucura e as queimações que ela acarreta. Tal ensaio foi feito sobre a cremação de livros em um passado trágico, mas também é de certa forma uma premonição sombria sobre o fim da vida da autora.

Sobre Ingeborg Bachmann

Nascida em Klagenfurt, Áustria, em 1926, Ingeborg Bachmann foi uma das grandes pensadoras literárias do século XX. Com uma formação que incluía filosofia, literatura e teoria da linguagem, ela transitou entre diversos meios de expressão artística, como poesia, conto, romance, radionovela, entre outros.

Reconhecida como poeta desde jovem, Bachmann integrou o influente grupo literário Gruppe 47, ao lado de nomes como Günter Grass e Heinrich Böll. Além disso, sua conturbada relação com o escritor Max Frisch revela muito sobre os desafios da convivência intelectual e afetiva, especialmente entre mulheres escritoras e homens consagrados. Em 2023, parte da correspondência entre os dois foi publicada, revelando um diálogo permeado por admiração, ciúmes e tensão.

Bachmann faleceu tragicamente em 1973, aos 47 anos, após um incêndio causado por um cigarro. No entanto, sua obra permanece viva e cada vez mais relevante. Seu legado, enfim, continua a inspirar e desafiar leitores, escritores e estudiosos ao redor do mundo.