Entre o mítico e a realidade dos marcos culturais, Socorro conta a história do Nordeste do país de forma singular
Muito do que semeia a literatura brasileira contemporânea está em contato direto com o trabalho de Socorro Acioli. Seja no desenvolver da narrativa encorpada, no beber da fonte de histórias reais, ou na brasilidade pulsante de suas histórias. Por isso, para o leitor apaixonado pelo meio, o nordeste brasileiro tem a voz da Socorro.
Em setembro de 2023, o Fantástico exibiu um episódio da série de reportagens “Mulheres Fantásticas” que alterou a trajetória da autora cearense. A partir da reportagem focada nas histórias de Chiquinha Gonzaga e a própria Socorro, sua obra “A cabeça do santo” ganhou uma explosão de popularidade.
O livro, que havia sido lançado dez anos antes, começou a ganhar vida própria. Assim, a escritora começou a conquistar o povo brasileiro em escala cada vez maior. No mesmo ano, Socorro publicou seu romance “Oração para desaparecer”, que solidificou seu espaço na literatura brasileira.
Mais sobre a trajetória de Socorro
Antes do sucesso das obras destacadas, Socorro já cultivava uma relação especial com a escrita. Formada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Ceará, a escritora sempre teve uma relação próxima com a palavra.
Além disso, sua estreia no mercado editorial foi a partir de livros infantis. Sua pesquisa de mestrado era sobre a Sociologia da Literatura. Dessa forma, a pesquisa gerou uma obra sobre a história do livro (como objeto). Dali em diante, Socorro passou a se dedicar à literatura infantojuvenil, escrevendo 18 obras diferentes.

Em 2013, a escritora venceu o Prêmio Jabuti na categoria infantil, com a obra “Ela tem olhos de céu”. O livro surgiu a partir das histórias contadas pela avó de Socorro, que a criou:
“As histórias dela, as histórias do entorno dela, foram uma influência muito importante. O livro que ganhou o Jabuti, ‘Ela Tem Olhos de Céu’, foi feito a partir de uma história que a vovó me contava de coisas que aconteciam no Sertão, que acontece com qualquer pessoa que é do Sertão, que é atenta, que tem essa relação do corpo com a natureza”, destaca Socorro.
Em entrevista para o programa #TrilhaDeLetras, a autora explica que, em seu processo criativo, “tudo sempre vai partir da realidade”. Assim, sua formação influencia a construção das narrativas, que partem sempre de um processo extensivo de pesquisa.
Dessa forma, foi a partir desse hábito de pesquisar, que lhe é tão natural, que Socorro conquistou a atenção e a mentoria do renomado escritor colombiano Gabriel García Márquez.
Pupila de Gabriel García Marquez
No ano de 2006, Socorro Acioli decidiu resgatar seu sonho de criança de se tornar uma escritora. Assim, apesar de ter sido desencorajada enquanto jovem, ela decidiu ir atrás de algum curso de escrita em Fortaleza – sua busca não gerou resultados.
Portanto, a escritora decidiu buscar livros que pudessem ensiná-la a contar uma história. Socorro se deparou com o livro “Como Contar Um Conto”, de García Márquez. Em resumo, a obra é uma transcrição do curso que ele oferecia na Escola de Cinema em Cuba.
Após passar oito meses tentando participar da oficina, voltada para um grupo seleto de convidados, seu último email chegou no radar da diretora acadêmica da escola, que falou que naquele ano em específico, García Márquez só tinha 9 dos 10 convidados – surgiu uma vaga para Socorro.
Então, ela precisou escrever um pequeno resumo, em espanhol, da história que ela levaria para ser revisada pelo escritor colombiano. Para isso, retornou aos seus recortes de matérias e encontrou uma reportagem sobre a cidade de Caridade. Nela, a cabeça de uma estátua inacabada de Santo Antônio servia como banheiro, motel e esconderijo para a população da cidade. García Márquez adorou a ideia e a convidou para o curso.
Por mais que Socorro pegue grande influência do autor colombiano, conhecido por sua aproximação com o realismo mágico, ela se diferencia de seu mentor para a Revista Continente:
“Eu até digo que as pessoas chamam meus livros de realismo mágico. Eu tenho chamado meus livros de ‘delírio brasileiro’, porque são histórias completamente vinculadas, conectadas ao Brasil. A ideia dessa nossa terra, tudo que aconteceu, que acontece nesse solo, e também a parte do Brasil que é mágica, inexplicável. Essa mágica e esses absurdos tão bonitos que se espalham pelo Brasil inteiro.”
O legado de “A cabeça do santo”
Apesar de seu livro de estreia ter sido lançado anos antes, “A cabeça do santo” marca o início do “fenômeno Socorro Acioli“. Publicado em 2014 pela Companhia das Letras, o romance conta a história de um jovem que descobre possuir o dom de ouvir as preces das mulheres para Santo Antônio. Nesse sentido, ele encontra seu talento fantástico no momento que decide buscar abrigo dentro da cabeça abandonada da estátua do santo.

Hoje, a cabeça de Santo Antônio, que fica no município de Caridade, virou ponto turístico. Sempre com uma boa recepção, “A cabeça do santo” direcionou muitos visitantes à estátua esquecida.
Leia também: “A Cabeça do Santo” mistura fé, amor e fantasia no sertão
Além disso, o romance vai ser adaptado para as telas de cinema. Há três meses, Socorro compartilhou a primeira sala de roteiro do longa em seu Instagram. Ela conta com o auxílio da cineasta Joana Mariani no desenvolvimento do filme.
A conquista de “Oração para desaparecer”
Seu romance mais recente, “Oração para desaparecer”, também surgiu a partir de um acontecimento real no Ceará. Assim, a autora quis recontar a história da Igreja em Almofala, que ficou 45 anos coberta por uma duna.
Lançado em 2023 pela Companhia das Letras, o livro conta a história de uma mulher que acorda em Portugal, sem lembrança nenhuma de seu passado – apenas da língua portuguesa. A protagonista, que eventualmente descobre se chamar Joana, precisa reconstruir a vida em um lugar completamente desconhecido, além de questionar a sua própria existência.

Durante sua extensa pesquisa, Socorro descobriu que a igreja ficava no território Tremembé. Povo com sua própria mitologia e cultura indígena, os tremembés deram origem, inclusive, à oração que dá nome ao romance. Além disso, a autora encontrou um trecho da crônica “Areia e Vento”, de Carlos Drummond de Andrade, que a inspirou.
“Esse processo levou dois ou três anos de pesquisa. E, na crônica, Drummond pede que alguém escreva sobre essa igreja. Ele me deu essa ordem. Era uma questão de honra”, comenta a autora para a Revista Continente.
“Oração para desaparecer” também vai ser adaptado para o cinema, e a atriz Alice Carvalho está escalada para dar vida à personagem principal – a encantadora Joana.
A escrita como ofício
A partir de sua própria trajetória, Socorro defende que a vida de escritor está longe de ser um ofício romântico, sendo, na verdade, resultado de uma formação dedicada, trabalho duro e muito estudo.
Com essa perspectiva, ela milita ativamente pela profissionalização da classe, buscando desmistificar a visão idealizada da literatura e ressaltar a dedicação e o rigor que a atividade exige para se tornar uma carreira sustentável.
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