No Dia do Jornalista (07/04), as homenagens são bem-vindas, mas também é uma ótima oportunidade para refletir sobre as particularidades da profissão. Afinal, é dever de todo jornalista, que tem compromisso com a verdade, ter responsabilidade por trás de cada apuração feita, fonte entrevistada e texto escrito. Quais são os limites éticos no caminho para a reportagem perfeita?

Essa pergunta é o centro da obra “O Jornalista e o Assassino – Uma Questão de Ética”, da escritora americana Janet Malcolm. Desde sua publicação em 1990, o livro provoca debates indispensáveis sobre o fazer jornalismo. Antes de mais nada, Malcolm abre seu texto com uma chamada: “Qualquer jornalista, que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo, sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre de vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas.”

O livro é um estudo sobre o acontecimento da década de 1970. O jornalista Joe McGinniss foi processado pela fonte do livro que estava escrevendo, o médico Jeffrey MacDonald. O doutor estava sendo acusado de assassinar a própria esposa e filhas, McGinnis escrevia sobre o caso, trabalhando diretamente com o médico.

A escritora autora analisa os desdobramentos desta situação de uma forma que é relevante até os dias de hoje, com sua obra sendo exemplo dado em aulas da formação em Jornalismo. A discussão sobre a ética que um jornalista deve seguir parece inacabável, principalmente na atualidade, mas materiais de estudo como este clareiam o caminho.

"O jornalista e o assassino", de Janet Malcolm, provoca reflexões sobre ética no jornalismo e a controversa relação entre repórter e fonte.
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O caso McGinniss e McDonald

A análise de “O Jornalista e o Assassino” acompanha a condenação do doutor Jeffrey MacDonald pelo assassinato de sua esposa grávida e suas duas filhas em 1970. Durante o processo judicial, o jornalista Joe McGinniss foi convidado a acompanhar o réu para escrever um livro sobre o caso.

Durante meses, em uma relação de fonte e jornalista, os dois se aproximaram. McGinniss acompanhou detalhes do julgamento, conquistou a confiança de MacDonald e ganhou acesso aos bastidores do caso. A defesa contou que a obra iria representar seu ponto de vista, ao mesmo tempo que seria uma arrecadação de renda para os custos do processo. O médico acreditava que seu retrato seria de forma justa, e até favorável, o que ajudaria seu lado.

Porém, o lançamento do livro sobre o caso, “Fatal Vision”, quebrou suas expectativas. O jornalista havia retratado o assassino em um retrato sombrio, o descrevendo como um sociopata e responsável pelos crimes. MacDonald processou McGinniss por fraude e quebra de confiança.

Dessa reviravolta, surgem as questões: até onde vai o dever de informar? E quanto vale a responsabilidade de quem confia no jornalista?

O mito da imparcialidade

Janet Malcolm entrevista advogados do caso, testemunhas e o próprio MacDonald, que só concordou em um único encontro com a escritora. A autora comenta sobre a dinâmica das relações entre jornalismo e fonte. Em sua avaliação, ela assume uma postura crítica à sua própria profissão de jornalista e chega a conclusão de que todo profissional de jornalismo irá trair a confiança da fonte sobre quem está escrevendo.

Assim, segundo ela, o escritor nunca poderá ser imparcial e apenas relatar os fatos, mas sempre contará a história a partir do seu ponto de vista e contexto. Para ela, o jornalismo está fundado em uma relação de poder que nem sempre é transparente. O repórter, na busca pela melhor história, pode manipular, ainda que inconscientemente, a imagem de sua fonte. Seja para o bem ou para o mau.

“O Jornalista e o Assassino” figura na lista das 100 Melhores Obras de Não Ficção do Século XX da Modern Library. No Brasil, a publicação é pela editora Companhia de Bolso e está disponível para compra no formato físico e e-book nas principais livrarias. Para quem é (ou pretende ser) jornalista, essa é uma leitura essencial. Para quem consome notícias, é uma ótima forma de entender como e por que as narrativas são como são.