Romance do escritor cearense mistura distopia e memória regional para refletir sobre problemas atuais do Brasil

O autor cearense João Matias lança o livro “Os interiores”, pela editora Patuá. A obra mistura distopia e memória regional para refletir sobre crises sociais, climáticas e políticas do Brasil. Com isso, a história apresenta uma trama regional ambientada nos interiores do Nordeste brasileiro. Além disso, dialoga com acontecimentos políticos recentes e com a história do país.

Assim, a narrativa gira em torno de Tieta, personagem marcada por privações na infância, pelas violências sofridas. Ela precisa enfrentar homens para conquistar seus direitos. Para recuperar as terras que eram de seus antepassados, ela assassina seu marido, o general Mauro Müller. O acontecimento inicia uma viagem pelos sertões em busca de tudo aquilo que é seu.

Segundo o autor, a ideia nasceu de sua vivência no período de violência, injustiça social e negligência climática entre 2018 e 2022. Dessa forma, ao longo da escrita, João percebeu que a obra reunia traços comuns às distopias, especialmente ligados a transformações climáticas, políticas e tensões sociais. “O livro também aborda a questão de gênero através da trajetória da personagem, das violências que enfrentou e da forma como se reconstruiu”, afirma.

Além de eventos recentes que aconteceram no país, o livro também se ancora em episódios históricos. Um exemplo são os campos de concentração criados no início do século XX para conter retirantes das secas, conhecidos como “currais do governo”. 

Geografia como personagem

O autor criou toda a ambientação para ser um elemento fundamental da história. “Gosto de narrativas em que a paisagem tenha sua própria eloquência. Que os personagens dialoguem com o espaço e sejam em parte sujeitos e objetos dele. Gosto de pensar a geografia do insólito como uma possibilidade narrativa, não só como um mero artifício”, explica Matias.

Desse modo, ao longo do livro, as paisagens sofrem transformações, ameaças e colonialismos. Isso acontece para reforçar o caráter simbólico da ambientação, que também marca os livros anteriores do autor. “Em meu trabalho literário, tento pôr na aridez da terra, bem como na umidade de uma cidade litorânea, um pouco de vivacidade e também das disputas que lhe cercam. Das contradições e irreverências de um lugar atravessado por sertões e sentidos; pelo rural e o urbano; pelo cotidiano e o extracotidiano; pela seriedade e a ironia; pelo gozo e pela violência”, finaliza o autor.

Sobre o autor

João Matias é jornalista, cientista social e professor da Universidade Regional do Cariri, na disciplina de Teoria e Pesquisa em Sociologia e no Programa de Pós-Graduação em Letras. Antes do romance, construiu uma trajetória sólida como contista, com os livros “O lugar dos dissidentes” (Editora Escaleras, 2019), “Os santos do chão bravo” (Caos e Letras, 2022) e “As madrinhas da rua do sol” (Caos e Letras, 2023). Também é roteirista de cinema e quadrinhos, coautor do argumento do longa de horror brasileiro “O Nó do Diabo (2017)”, apresentador do podcast sobre literatura “Lavadeiras do São Francisco” e integrante do projeto “O Livro Quebrado”, dedicado a entrevistas com autores nacionais.

Imagem capa: Adaptação | Redes Sociais (Instagram/@jmatiasbooks)