João Matias transforma o horror em reflexão sobre violência, desigualdade e resistência no Brasil profundo
O sertão se transforma em espelho de um país à deriva em Os Interiores (Editora Patuá), romance de estreia do escritor, roteirista e professor cearense João Matias. Misturando distopia e memória regional, o autor constrói uma narrativa onde o Nordeste se torna palco de um futuro sombrio, ou talvez de um presente apenas levado ao extremo, em que violência, crise ambiental e autoritarismo convivem lado a lado.
Selecionado para o Prêmio Alta Literatura, Matias transforma as paisagens áridas do sertão em território simbólico, onde cada grão de areia carrega vestígios de uma nação em colapso moral. Assim, o livro atravessa temas urgentes como violência de gênero, militarização, retirância, desigualdade e negligência climática para retratar um Brasil fragmentado entre o passado e o apocalipse.
A protagonista, Tieta, é o centro de uma história brutal e hipnótica. Uma mulher marcada pelas privações da infância e pela opressão masculina, que mata o próprio marido, o general Mauro Müller, para recuperar as terras de sua família. O crime é o ponto de partida para uma travessia pelos sertões, entre ecos de uma vingança e a busca desesperada por liberdade. Além disso, é também o retrato de uma sobrevivente num mundo em ruínas, que reflete a história de tantas mulheres brasileiras.
Um romance em que a geografia também tem voz

De acordo com Matias, ele gosta de narrativas em que a paisagem tenha sua própria eloquência. E em “Os Interiores“, a geografia fala e grita. Desse modo, as terras rachadas, as cidades empoeiradas e os corpos fatigados compõem um cenário que é mais que pano de fundo. A geografia também é uma personagem. As paisagens mudam, sofrem, apodrecem junto dos homens. São testemunhas da decadência e cúmplices silenciosas da brutalidade.
O autor, que vive no Crato (CE) e leciona na Universidade Regional do Cariri, é também jornalista, cientista social e roteirista. Na literatura curta possui obras como O lugar dos dissidentes (2019), Os santos do chão bravo (2022) e As madrinhas da rua do sol (2023). No cinema, participou do argumento do longa O Nó do Diabo (2017), obra que, assim como o novo romance, confronta a herança colonial e o racismo estrutural no país.
Entre ecos de um governo autoritário e recordações históricas, Matias traça um retrato da repetição cíclica da tragédia brasileira. “Pode-se dizer que estes retirantes são refugiados climáticos”, observa, antecipando o colapso ambiental que hoje se desenha a olhos nus.
Em Os Interiores, o horror não vem do sobrenatural, mas da realidade. Ou seja, é o terror da fome, da terra morta, da ausência de futuro. Um horror feito de poeira, ferro e silêncio e que nos pergunta até onde o país pode ir antes de virar distopia de vez?
“Os Interiores” está disponível para compras no site da Editora Patuá.
Crédito da capa: Divulgação / Adaptação
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