No Dia da Consciência Negra, relembramos uma das maiores autoras nacionais: Carolina Maria de Jesus. Com a vida marcada pela maternidade e pela desigualdade social, a autora mineira foi subjugada por décadas. Voz potente das mulheres negras na literatura, sua trajetória é um retrato vivo das contradições do Brasil. Ela viveu entre a fome e a palavra, entre a exclusão e a coragem de existir através da escrita.
A vida de Carolina
Nascida em 14 de março de 1914, em Sacramento, Minas Gerais, Carolina era filha de uma família de agricultores que viviam em extrema pobreza. Ainda jovem, mudou-se para São Paulo, onde passou boa parte da vida em bairros de periferia. Lá enfrentou as dificuldades de uma cidade que crescia sem incluir quem mais precisava. Casou-se com José Carlos de Jesus, com quem teve três filhos, e, após a separação, tornou-se a única responsável pela criação deles. Esses acontecimentos e desafios da vida foram tão marcantes que então se tornaram matéria-prima de sua obra. Assim, os elementos que permeiam os seus textos se tornam quase vivos.
Foi quando vivia em uma favela no bairro do Canindé e trabalhava como catadora de papel que Carolina começou a escrever. Utilizando o que encontrava no lixo, como pedaços de lápis, folhas de cadernos usados, encartes e livros velhos, ela registrava em seus diários tudo o que via. O cotidiano da favela, as conversas dos vizinhos, os sons, os cheiros e, principalmente, seus pensamentos e sentimentos foram explorados. Foi assim que nasceu a obra “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, publicada em 1960.
As obras

A obra trouxe notoriedade a Carolina, que transformou sua realidade em denúncia social e literária. No livro, ela narra com sinceridade e força as dores e contradições da vida nas margens da cidade. O enredo fala da miséria, do alcoolismo, do desemprego, da maternidade e da fome, mas também da solidariedade entre os que têm pouco e da luta para manter a dignidade em meio ao caos.
O livro alcançou sucesso rápido, recebeu traduções em diversas línguas e projetou Carolina Maria de Jesus internacionalmente. Outras obras da autora incluem “Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-Favelada“, em que ela relata a mudança para uma casa melhor e as contradições dessa nova etapa, e “Pedaços da Fome”, publicado postumamente.
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A repercussão
Apesar de ter obtido sucesso com sua primeira obra, a luta nunca deixou de acompanhá-la. “Quarto de Despejo” vendeu mais de cem mil exemplares em poucos meses, rendeu entrevistas, aparições na televisão e capas de revistas, mas não garantiu estabilidade financeira. Com o dinheiro dos direitos autorais, Carolina comprou uma casa simples em um bairro modesto de São Paulo, sustentou a família e ainda ajudou pessoas da comunidade, mas, com o passar do tempo, as vendas diminuíram e a dificuldade financeira voltou.
Mesmo após conquistar leitores no Brasil e no exterior, a elite literária nunca a reconheceu plenamente como escritora. Carolina Maria de Jesus morreu aos 62 anos, em 1977, pobre e esquecida, mas suas obras inéditas e seu legado ganharam valor apenas anos depois.
Hoje, Carolina Maria de Jesus ocupa merecidamente o lugar que sempre lhe pertenceu: o de uma das maiores vozes da literatura afro-brasileira e símbolo de resistência e coragem. Sua escrita continua ecoando como testemunho da força das mulheres negras, das periferias e de todos que encontraram na palavra uma forma de existir e resistir.
Imagem de capa: Reprodução
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