Aviso: Contém spoilers da primeira edição do primeiro volume de “A menina que não sabia ler”.
A leitura que trarei como sugestão esta semana se chama “A menina que não sabia ler – volume 2” – originalmente intitulado “The girl who couldn’t read”, escrito por John Harding e publicado pela editora Leya no Brasil.
A história se passa em meados dos anos 1892 e 1898, em um hospício para mulheres, localizado no castelo de uma ilha, por onde só é possível chegar de barco. O local é dividido em três andares. Cada andar é populado pelas pacientes de menor a maior periculosidade – sendo o primeiro para as mais tranquilas e o terceiro andar para as consideradas mais perigosas.
O livro possui um começo aterrorizante. Já de início são contados os horrores dos tratamentos utilizados nas pacientes, sendo narrados por um interlocutor extremamente misterioso, que se autodenomina John Shepherd e que aparece no hospital em busca de uma vaga de emprego com a intenção de iniciar seus trabalhos na área psiquiátrica.
Mesmo sendo um livro de ficção, são narrados os desumanos tratamentos concebidos aos retratados como ‘’loucos’’ na época, que chegam a ser desconfortáveis para pessoas mais sensíveis, e a justificativa do Dr. Morgan, o diretor-chefe do hospício era a de que “[…] a insanidade não está ligada às pressões sociais ou à infelicidade pessoal, mas é um problema patológico. É um distúrbio físico do cérebro e, por isso, pode ser controlado”.
Com o hospício sendo chefiado pelo Dr. Morgan, o mesmo mostra total descaso com as pacientes, as quais são negadas qualquer forma de distrair sua mente, sendo tratadas por assistentes de coração duro e rígidas, além de não capacitadas para a área, visto que são iletradas e não enfermeiras.
Ou seja, para eles era mais conveniente tratar os doentes como inferiores como um ninguém, piorando o estado da pessoa, do que as tratar como um igual.
A partir do momento em que adentravam o hospício eram tirados seus direitos, não eram tratadas mais como humanas; Não podiam possuir roupas próprias, nem pertences; não podiam ler, costurar ou pintar, por exemplo; além de serem mal alimentadas para que não tivessem força para evitar alvoroço entre as enfermas e os funcionários. Já as pacientes do terceiro andar, só podiam sair ao serem conduzidas por meio de uma corda amarrada na cintura de cada uma, o que remete ao nosso protagonista a forma como os escravos eram transportados para os navios negreiros da época.
Porém, as coisas começam a ficar estranhas a partir do momento em que o Dr. Shepherd recebe uma carta endereçada a ele, por parte de sua noiva, que diz estar com medo do fato de ele não ter lhe escrito após chegar o sanatório e por saber que o trem que ele teria pego, tinha sofrido um acidente e quase todos os passageiros morreram, o que começa a nos dar indícios que talvez Shepherd não seja quem diz ser.
John Shepperd não concorda nem um pouco com a forma como o Dr. Morgan administra as coisas nos hospitais e, mesmo relutante – e com a intenção de que seu companheiro de trabalho falhe – o diretor do hospital oferece a oportunidade de tentar cuidar da paciente com o ‘’Tratamento Moral’’ – um tipo de tratamento em que as pessoas dadas como ‘’loucas’’ eram tratadas como pessoas normais: com o devido respeito e podendo ter sua mente ocupada por atividades e sempre conversando sobre as coisas que sentiam dentro de si que as faziam se sentir mal, e que dava muito certo, porém, os médicos da época não levavam à sério pelo fato de esses estudos terem sido conduzidos somente por padres e membros da igreja da época, o que tornava o método não aprovado cientificamente.
E é a partir desse estudo que Dr. Shepherd escolhe, como paciente a ser tratada, Jane Pomba – conhecida pelos leitores da edição anterior do livro como Florence, que foi levada ao hospício após ser encontrada em estado de confusão mental, vagando nas proximidades do depósito de uma ferrovia e que recusava dizer seu nome, e, segundo dados, aparentava ter entre 13 e 18 anos. A polícia levou-a para o sanatório da cidade, onde foi considerada como deficiente mental e enviada para o hospício, onde foi internada. (É importante frisar que o termo correto seria diagnosticada como pessoa com deficiência intelectual, visto que o termo utilizado pelo autor, ou por quem traduziu, é altamente pejorativo.)
Florence alegava ser ‘’impermitida’’ de ler e, ao alegar não se lembrar de sua identidade, foi nomeada como Jane Pomba pelos trabalhadores do hospício. Porém, um fato curioso é que todos os funcionários de lá a consideravam incapaz de se comunicar, só que, ao entrevistá-la, o Dr. Shepherd percebeu que todos estavam muito enganados, mesmo assim, Dr. Morgan deu até o fim do ano para que fosse confirmada a eficácia do tal “Tratamento Moral”.
Em meio a várias reviravoltas, no final, Shepherd e sua paciente especial tentarão armar um plano para escapar do hospício. Será que conseguirão ter sucesso?
Minha opinião
Em uma escala de 0 a 5, daria um 3,5 para a continuação. Devido ao fato de que algumas questões não são respondidas ao longo do livro como por exemplo: “O que aconteceu com Giles e os conhecidos de Florence para ela ter ido parar em um hospício?” e “Teriam descoberto os crimes que a protagonista cometeu no primeiro livro para ter sido abandonada e encontrada sozinha?”.
Além de que, para mim, foi uma falta MUITO grande da editora não sinalizar o livro como conteúdo sensível e com ‘’alerta de gatilho’’, visto que são narrados com muitos detalhes a forma como as ‘’pacientes’’ do hospício são tratadas, como algumas mortes ocorrem e os assassinatos de mulheres, me fazendo sentir muito mal e até repensar se conseguiria seguir com a leitura por serem abordados temas muito sensíveis para mim.
De resto, o livro possui uma narrativa bem interessante, o que te mantém instigado a querer terminar logo a leitura, mas não é o tipo de livro que eu recomendaria para quem não tenha interesse por esse tipo de assunto, fazendo-me, até mesmo, repensar se o livro 1 realmente precisava de uma continuação dessas, visto que foi narrado pela visão de Dr. Shepherd o livro inteiro, com Florence aparecendo mais do meio do livro para o final, e ainda deixando muitas questões sem respostas.
Referências Bibliográficas:
Título: A menina que não sabia ler – Volume 2
Autor: John Harding
Ano: 2014
Páginas: 287
Editora: Leya