O livro “Aranha movediça” (Editora Moinhos), do escritor brasileiro Moacir Fio, é um romance que reconta a cultura do Brasil de diferentes épocas. Assim, o livro trabalha com diferentes tipos de escritas, além de lidar com linhas dos tempos variadas. No entanto, em todas as suas instâncias, a história invoca o som, o cheiro e as cores que todo brasileiro conhece.

Entre figuras reais, como Maca, Carlos Eduardo e Alessandra, e lendas fantásticas, como Jota do Lixo, Nhewó e uma mulher-onça, a obra mistura lembranças, registros, cultura, política e violência de maneira singular.

A costura da narrativa

Em resumo, a narrativa se divide entre a Fortaleza dos anos 1980, sob a perspectiva do movimento punk, e do período colonial na cidade-fantasma de Cococi, peça única de um sertão característico. A partir dessas idas e vindas, os capítulos de “Aranha movediça” vão construindo uma teia que ameaça se embaraçar, mas nunca afastando o leitor.

Além disso, o fluxo da história também é dividido em três seções: uma investigação jornalística em forma de transcrição de podcast, ponderações pessoais de um personagem coadjuvante do núcleo principal, e registros diarísticos de uma fazenda antiga que parecem contar uma história fictícia.

Ainda mais, as diferenças nos estilos de escrita contam com estruturas distintas. Enquanto as frases são mais diretas e repletas de dialeto nas transcrições jornalísticas, a prosa ganha caráter quase lírico quando fala do sertão colonial nos diários encontrados.

“E então escutou sua própria voz dizendo as palavras de Moça: 

– O que eu sou é acontecência.

Escapou do abraço e pulou da cama, balançando a cabeça. Moça continuava sentada, com aquele vapor crescente ao seu redor. E embora nada dissesse, Josefa sabia que ela a escutava de dentro.” – página 131, trecho de um capítulo diarístico.

Assim, as transições entre os estilos literários se cruzam respeitando a urgência da história, e convidam o leitor a ter uma participação ativa da investigação.

Cultura punk como registro

A descrição do movimento punk da Fortaleza dos anos 1980 é, talvez, o componente mais interessante de “Aranha movediça”. Essa cultura parece influenciar os diferentes conceitos de moralidade, sustentado pelos personagens. Os jovens adultos adeptos ao movimento vivem sua verdade política em alto e bom tom, e os que se opõem à prática são tão altos quanto.

Assim, o personagem do Carlos Eduardo, tão coadjuvante quanto principal, serve com um meio-termo singular no meio dessa regra de crenças. Mais adiante no livro, quando mais velho, ele destaca:

“Me parecia improvável que pudesse se interessar por essa fronteira onde eu me dividia, com um pé no punk e outro na tradição de sobrevivência a todo custo dos miseráveis.” – página 122

Por estar no meio do caminho, não fica claro para o personagem como o punk é, também, uma forma de registrar a cultura cearense daquele período – mas fica para o leitor. Moacir consegue construir uma imagem viva, violenta e expressiva desse movimento. Com o cenário de uma Fortaleza “afeiçoada ao esquecimento” (pág. 86), o estilo de vida é colocado como uma frente da contra-cultura rígida e preconceituosa do Brasil do século passado.

Impressões sobre o livro

Com criatividade e compromisso com o papel social da cultura, “Aranha movediça” cria uma teia de estilos, núcleos, lendas e relatos que fisga o leitor como apenas um aracnídeo é capaz de fazer.

Assim, o livro questiona o poder da lembrança e do registro em um cenário contemporâneo, em que qualquer comentário pode ser refutado ou desmerecido. Ainda mais, o romance de Moacir retoma o papel da arte como ferramenta política, não se limitando aos caminhos convencionais para contar uma história. Com toda a sua urgência, “Aranha movediça” se encontra entre o fantástico e o real, e costura um caminho envolvente com sua pluralidade.

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