ATENÇÃO: A resenha a seguir do livro “Em Fogo Lento” faz uma análise da obra que, em sua narrativa, aborda várias formas de violência. Se você é sensível a esse tipo de conteúdo, por favor, não prossiga com a leitura ou leia com cautela.
“Em Fogo Lento”, da best-seller Paula Hawkins, recupera a atmosfera sombria de “A Garota no Trem” e “Em Águas Sombrias”. Contudo, esta narrativa é notavelmente mais tensa, envolvendo o leitor em uma imediata sensação de que algo que vai causar uma reviravolta na trama vai acontecer, o que classifica a obra como um excelente suspense.
Enredo: Alerta de spoiler
A trama começa com o assassinato do jovem Daniel Sutherland, encontrado morto no barco em que morava no canal da cidade. Laura Kilbridge, uma jovem que tinha um relacionamento de idas e vindas com Daniel, é vista saindo do local do crime.
Dessa forma, é a primeira a ser considerada como suspeita pela polícia. Em uma sequência em que a autora nos apresenta os personagens, Laura é a primeira que conhecemos. Sua conexão com Daniel é apresentada ao leitor, assim como sua rotina caótica.
Laura trabalha em uma lavanderia, vive em um apartamento pequeno e insalubre, e vem há muito tempo lidando com dívidas e problemas com a polícia. Ela não tem uma relação próxima com sua mãe, do mesmo modo que evita se aproximar de seu pai devido à presença de sua nada agradável madrasta Deidre.
A narrativa revela que, quando criança, Laura sofreu um trauma após um acidente que afetou sua cognição, o que leva a reações inesperadas, como, por exemplo, ter uma crise de riso durante situações tensas. O que ocorre justamente no momento em que ela está sendo interrogada pela polícia sobre a morte de Daniel.
Tramas paralelas
As histórias paralelas ao crime são o grande fio condutor da trama, e revelam-se tão interessantes quanto o enredo central. O corpo de Daniel é encontrado por Miriam, uma mulher que também mora em um barco no canal. Ela é descrita como uma mulher misteriosa que é vista com desconfiança por outros moradores.
Miriam carrega uma história triste, um ato de violência trágico que terminou na morte de sua amiga Lorraine. Ela traduziu suas palavras em um manuscrito, que pretendia publicar. No entanto, ao mostrar seu trabalho para Theo Myerson, o manuscrito “se perde” em uma viagem, de acordo com Theo.
Porém, pouco tempo depois, o escritor até então sem grandes êxitos Theo Myerson, publica uma obra semelhante ao livro escrito por Miriam, o que a deixa completamente devastada. Desde então, sua vida é repleta de amargura e dor, e ela vigia Theo, seu inimigo de perto.
A família de Daniel
Theo é o ex-marido de Carla, tia de Daniel. Eles se separaram após anos de convivência difícil e superação da morte do filho Ben. Ben estava sob a guarda de Angela, mãe de Daniel, quando este ainda era uma criança.
Mesmo após mais de 15 anos da morte da criança, o ressentimento tanto de Theo, quanto de Carla por Angela, continua forte. Além disso, o jovem irresponsável e inconsequente Daniel pressiona os tios por dinheiro, além de ter uma relação obsessiva e um tanto questionável com a tia, o que irrita Theo profundamente.
A alcoólatra, triste e infeliz Angela morreu meses atrás, após sofrer um acidente doméstico. Ela alternava entre a culpa que sentia com a morte do sobrinho e a péssima relação com Daniel. Agora com a morte de seu filho, é impossível que velhos fantasmas não voltem a assombrar Theo e Carla.
Irene é uma senhora que começa a sofrer de mal de Alzheimer. Vizinha de Angela e protetora de Laura, ela começa a se esquecer de fatos importantes, como a morte de seu marido. No entanto, ela se lembra perfeitamente de ver Theo discutindo e ameaçando Angela, assim como o viu no dia da morte de Daniel.
A investigação do crime e novos mistérios
O assassinato de Daniel revela a personalidade manipuladora e complexa de alguns personagens. A principal suspeita do assassinato, Laura, parece ser a única vítima da história. Por mais falhas que Laura pareça ter, sua infância conturbada e a falta de empatia das pessoas mostram que talvez o que tenha faltado à jovem é estrutura e compreensão.
Miriam, por sua vez, enfrenta não apenas o roubo de sua história, mas também o profundo trauma que a acompanha. Sua obsessão por Theo a leva a atitudes questionáveis e até prejudiciais a inocentes. Porém, Miriam é um personagem que inevitavelmente desperta a empatia do público, tornando suas razões compreensíveis.
Irene se destaca com um dos conflitos mais instigantes: sua luta contra as falhas de memória, motivada pela certeza de que detém informações sobre as mortes de Daniel e Angela. Paralelamente, Carla, Angela e Theo compartilham uma relação doentia, permeada por raiva e culpa. Assim, a riqueza do livro está justamente na interconexão dessas histórias, que faz com que qualquer personagem possa ser o assassino.
Durante a narrativa (pelo menos para mim), fica clara a inocência de Laura e Irene na história, assim como é óbvio que a idosa será a grande responsável pela resolução do conflito.
Mistério resolvido: quem é o assassino de Daniel
O desfecho de “Em Fogo Lento” com a revelação do assassino de Daniel se revela restrito ao núcleo familiar, e embora a identidade da assassina não seja uma reviravolta chocante, a autora consegue impactar o leitor com a explicação do crime. Carla é a responsável pela morte de Daniel, motivada pela descoberta de que o garoto intencionalmente, no passado, causou a morte de seu filho.
A reviravolta final é orquestrada por Irene, que grava a confissão de Carla, que pretendia escapar da punição pelo crime ao incriminar Laura. Assim, a senhora se consagra como a grande heroína da história, mesmo que seu feito permaneça desconhecido para os demais personagens.
Apesar de não gostar do fato de Theo não pagar pelo roubo da história de Miriam (talvez seja o lado escritora falando), o personagem se redime ao ajudá-la a colocar o criminoso que a traumatizou na cadeia. A redenção de Theo e sua reconciliação com Miriam, foi o mais surpreendente, uma vez que o escritor é sempre descrito como uma pessoa fria, mas que no final, decide ajudar Miriam, que o perdoa.
Impressões sobre o livro
“Em Fogo Lento” é uma narrativa extremamente coerente, com um final que faz bastante sentido. Mas o melhor da obra não é exatamente o final, e sim a tensão que permeia toda a narrativa, assim como as reviravoltas inesperadas, sobretudo nas histórias paralelas.
Assim como em “A Garota no Trem”, Paula Hawkins demonstra sua maestria ao criar histórias paralelas que poderiam facilmente render outros livros. Seus personagens são encantadores, perturbadores e, acima de tudo, profundamente humanos.
Essa talvez seja a obra mais complexa da autora, que mais uma vez ambienta seu mistério em uma Inglaterra urbana, com descrições de cenário tão perfeitas que transportam o leitor diretamente para dentro da história.
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