Uma viagem pelo terror cósmico que transforma Belo Horizonte em um labirinto de paranoia, juventude ferida e mistérios que nenhum cafezinho é capaz de confortar

Com “O Culto Amarelo”, o autor L. Vaz emergiu como uma das vozes mais promissoras do horror contemporâneo nacional. Misturando o banal com o cósmico, o real com o absurdo, Vaz transforma Belo Horizonte em um palco de medos existenciais, entidades insondáveis e juventudes à beira do colapso.

Com uma escrita fluida e envolvente, L. H. Vaz tem se destacado como uma das vozes mais interessantes do terror literário brasileiro. Aos 31 anos, nascido em Belo Horizonte e vivendo em Betim, ele decidiu transformar sua vida aos 28, quando abandonou a rotina que já não o satisfazia para finalmente assumir a vocação que o acompanhava desde sempre: contar histórias. Formado em Administração e especialista em Planejamento de Produção, Vaz já escrevia crônicas bem-humoradas para um podcast antes de dar o salto definitivo rumo à literatura. Hoje, colhe os frutos dessa escolha corajosa, construindo uma carreira marcada por imaginação inquieta, domínio narrativo e uma criatividade que tem elevado o gênero a um novo patamar no país.

Crianças, visões, um culto e o cósmico

No livro “O Culto Amarelo”, L. H. Vaz atualiza de forma divertida e inquietante o terror cósmico ao transformar Belo Horizonte, em 2011, num verdadeiro palco de pesadelos. A trama acompanha quatro adolescentes, Arthur, Amanda, Saulo e Hernanda, que, após a morte misteriosa de uma colega de escola, Andreia, acabam arrastados para uma investigação que os leva por locais emblemáticos do cotidiano mineiro. O que começa como uma ruptura incômoda na rotina estudantil rapidamente ganha contornos muito mais sombrios quando eles descobrem a existência de uma seita insólita, o enigmático “Culto Amarelo”, e uma entidade que parece tentar atravessar o tecido do mundo real. No fim das contas, a pergunta permanece: o que é, afinal, o Culto Amarelo?

Antes da introdução do grupo de amigos, o foco é no passado de um personagem, bastante importante na trama. Depois disso, temos os amigos de escola, coisas do dia a dia, conversas típicas de adolescentes, e aos poucos vai mergulhando num clima cada vez mais sufocante. Com mortes, visões e investigações. Vaz tem um ritmo de escrita envolvente, com capítulos curtos e uma sensação constante de “algo está errado”, até que o horror toma conta por completo. A influência lovecraftiana é clara, mas o autor consegue dar um toque bem brasileiro à coisa toda, o que é raro no gênero. Além disso, Vaz se inspira também em Stranger Things considerando que são um grupo de adolescentes, sem nenhum conhecimento específico, tentando investigar e até derrotar um mal que eles não sabem quase nada. Outros elementos de clássicos do terror também estão presentes, como os iluminados de Stephen King.

L H Vaz o Culto Amarelo
Crédito: L H Vaz.

Um terror mineiro, com pão de queijo, café e mistérios

A ambientação é um dos pontos mais fortes. Ver o terror acontecendo em lugares reais de Belo Horizonte, como o cemitério do Bonfim, o aglomerado Cabana Pai Tomáz e a região da Praça Raul Soares, é como se o medo pudesse estar logo ali, na esquina. E os personagens são muito críveis, soam como adolescentes de verdade, com gírias, manias e inseguranças. Sem contar com os personagens adultos, que são comuns, como se pudesse ser qualquer pessoa do dia a dia que podemos conhecer.

Personagens humildes, professores loucos, delegada cativante. Tudo é muito próximo e real demais para o leitor. E, ao mesmo tempo, em que o autor constrói uma proximidade com os personagens, ele não tem medo de destruir tudo logo em seguida. Vaz não tem medo de matar ou machucar bastante um personagem. Se for necessário para a história, ele vai fazer, e com isso o impacto fica maior para o leitor.

Potencial para muito mais

Entretanto, nem tudo é perfeito: o funcionamento da seita e a natureza da entidade poderiam ser mais explorados. Tem hora que a gente sente que o autor segura informações demais, e isso pode deixar o final um pouco apressado. Além disso, algumas situações, onde envolvem a polícia, mais para o fim da história, diminui demais a atuação deles, como se eles mal conseguissem segurar um grupo de manifestantes. Será que com tudo o que estava acontecendo, nenhum policial foi capaz de entrar no local? Só uma coisa que fiquei um pouco incomodado foi associar o Pai Tomáz a uma figura de Exu, teoricamente são tipos de entidades diferentes. Entretanto, como é uma história de ficção, o autor tem total liberdade de construir o seu universo, sem necessariamente seguir com rigor questões religiosas.

Mas ainda assim, “O Culto Amarelo” entrega uma boa dose de tensão e cria um universo curioso que merece ser expandido. Um pouco antes de terminar essa resenha, tive acesso a um conto especial que faz parte desse universo e falarei a seguir.

“Acharam a cabeça”

O conto “Acharam a cabeça”, disponível apenas em e-book, expande um pouco desse universo, e conta a continuação de uma parte da história que ficou em aberto no livro. Não é uma história principal, mas explica um pouco mais das consequências de um fato que aconteceu mais pro fim do livro, envolvendo personagens secundários.

Assim, Vaz amplia de forma fantástica esse universo, e traz mais ainda aquele gostinho de quero mais. “O Culto Amarelo”, é gigantesco em potencial, e resta, aos leitores aguardar, ansiosamente, expansões desse universo.

LEIA TAMBÉM: Conheça “O Culto Amarelo” de  L. H. Vaz

Sensações ao ler o livro

Com capítulos curtos, o autor mantém o leitor fisgado do início ao fim. A sensação constante de conclusão, e, ao mesmo tempo, de que algo maior está prestes a acontecer, alimenta a ansiedade deliciosa de seguir virando páginas. A narrativa mistura humor, decisões questionáveis típicas da adolescência e passagens emocionalmente pesadas. O luto e a forma como a perda molda a vida de cada personagem são tratados com respeito, sem cair em exageros ou lugares-comuns.

O medo do desconhecido, essa força que sempre incomodou a humanidade ao lembrá-la de sua pequenez diante da vastidão do universo e de outras possíveis dimensões, permeia cada capítulo. O terror cósmico está presente não só nos personagens humanos, mas também em espíritos e entidades menores que, surpreendentemente, também temem o abismo. Isso cria camadas sobre camadas de mistérios e inquietações cada vez mais profundas, transformando a leitura numa espiral fascinante e perturbadora.

É o tipo de livro que te deixa pensando no que acabou de ler, e olhando torto pra qualquer coisa amarela que apareça por perto. Será que vale a pena entrar para “O culto”?

O livro “O Culto Amarelo” está disponível para compras no formato digital na Amazon e de forma física no site https://ocultoamarelo.com.br/.

Já o conto “Acharam a cabeça” está disponível de forma digital também na Amazon.

Crédito da capa: Divulgação / Adaptação