Mesmo após 150 anos, Louisa May Alcott encanta gerações de leitores com a história das irmãs March em “Mulherzinhas”
Inspirado na vida da própria autora, Louisa May Alcott, “Mulherzinhas” é um clássico juvenil de 1868. A narrativa acompanha a vida das irmãs March em Massachusetts durante a década de 1860, em meio a Guerra Civil Americana.
A princípio, a obra foi publicada em dois volumes. Sendo que o primeiro livro conta a história das irmãs durante a infância e adolescência. Enquanto a segunda parte, intitulada como “Boas Esposas”, acompanha a juventude e a vida adulta das protagonistas.
Atualmente, é possível encontrar o volume único com a história completa.
Romance é semi-autobiográfico e consolidou Alcott como um dos grandes nomes da literatura
Antes de publicar o livro, Alcott escrevia contos sob pseudônimo para ajudar financeiramente sua família. Até que seu editor, Thomas Niles, sugeriu que ela tentasse escrever histórias voltadas para garotas. Inicialmente, a ideia não foi bem vista por Louisa, mas como precisava do dinheiro acabou aceitando. Em seu diário pessoal, declarou:
O senhor Niles quer uma ‘história de garota’, por isso comecei “Mulherzinhas”. Marmee, Anne (inspiração para Meg) e May (inspiração para Amy) aprovaram meu plano. Então, segui em frente apesar de não gostar da ideia. Nunca gostei de garotas nem conheci muitas, exceto pelas minhas irmãs; mas nossas brincadeiras e experiências podem ser interessantes para o livro, embora eu duvide.
Dessa forma, Alcott decidiu que suas protagonistas seriam inspiradas nela mesma e em suas irmãs.

Crédito: Reprodução
Jo March foi baseada na própria Louisa, enquanto para Beth March se inspirou em sua irmã Elizabeth “Lizzie” Alcott, que faleceu jovem devido à escarlatina. Meg, a irmã mais velha, reflete Anna Alcott. Já Amy, a caçula da família March, tem como inspiração May Alcott, que também era artista.
Quando o manuscrito chegou para Niles, o editor decidiu prosseguir com o livro após ver o entusiasmo de sua própria sobrinha com a história. Assim, a primeira parte de “Mulherzinhas” foi publicada em setembro de 1868.
A mente por trás de Mulherzinhas

Mesmo que a ideia de escrever para garotas não agradasse Louisa no começo, logo a autora viu a oportunidade como uma forma de também colocar seus ideais nas páginas. Apesar da própria descrever a história como “simples e verdadeira”, a obra apresenta discussões sobre valores feministas, importância da educação e também do ambiente familiar para a formação de uma criança.
A recepção do público com a história foi tão calorosa quanto o cuidado com que Louisa escreveu. A primeira edição foi um sucesso de venda e esgotou tão rapidamente que o editor pediu para que Alcott logo começasse a escrever a continuação.
“Chegam comentários e cartas muito agradáveis, e há muito interesse nas minhas mulherzinhas, que parecem conquistar amigos por sua fidelidade à vida, como eu esperava.”, afirmou a autora em seu diário de escrita.
Louisa não só escreveu diversas histórias divertidas do cotidiano, como também sobre as dificuldades de ter sido uma menina. E, mais tarde, sobre como era ser uma jovem mulher na sociedade em que viviam.
Desde aquela época, a autora já era conhecida como uma forte defensora da liberdade de expressão, dos direitos das mulheres e de causas educacionais. Abolicionista e sufragista, Louisa trabalhou como enfermeira durante a Guerra Civil Americana e foi a primeira mulher a se registrar e a votar em Concord, Massachusetts.
Sua personalidade também reflete em suas respostas para as leitoras de Mulherzinhas. No diário pessoal, a autora rebateu críticas e questionamentos sobre o destino de uma de suas protagonistas:
As leitoras continuam perguntando sobre com quem as irmãs vão se casar, como se esse fosse o único final e objetivo na vida de uma mulher. Eu não irei casar Jo […] para agradar ninguém.
Em novembro de 1868, Louisa iniciou o manuscrito da segunda parte da história das irmãs March. Logo, os livros consolidaram Alcott como uma das principais romancistas do século XIX e início do século XX.
Um café da tarde com a família March

A leitura de “Mulherzinhas” apresenta um enredo confortável desde o começo. Ao decorrer das páginas, a sensação é como sentar em uma poltrona e ouvir alguém contar as histórias da família March durante o café da tarde.
Apesar de retratar a dura realidade das irmãs e o sentimento de angustia pela ausência do pai, que está na guerra, Alcott também transporta o leitor para a imaginação de cada brincadeira presenciada por elas e Theodore Laurence, conhecido como Laurie.
Sendo um dos queridinhos do público, o personagem é o jovem vizinho da família March e cresce junto com as irmãs, tornando-se uma das figuras centrais da narrativa. Laurie conquista a amizade e o carinho da família, estando presente nas principais histórias da infância das meninas.
Além disso, a narrativa também acompanha muitos momentos de reflexão com as garotas. Na adolescência, por exemplo, começam a aprender a lidar com os próprios sentimentos – como o egoísmo de Amy e a inveja de Meg.
Por fim, a atmosfera narrativa muda a partir do casamento de Meg, a irmã mais velha. A partir desse momento, o leitor acompanha a juventude e o caminho que cada uma das irmãs escolheram seguir na vida adulta.
A trama das irmãs March

Crédito: Wilson Webb/Sony Pictures
Enquanto Jo e Amy partem em busca de seus sonhos, respectivamente como escritora e artista, Meg se dedica às tarefas da nova família que está formando e percebe que, mesmo tendo sonhado com esse destino, ser esposa e mãe não é um conto de fadas.
O enredo também apresenta a perspectiva de Jo March, que se opõe à ideia do casamento – uma visão que reflete as próprias opiniões de Alcott. Ela, por sua vez, leva o leitor para uma jornada de independência e paixão pela escrita. Sua personalidade contrasta com os papéis tradicionais que a sociedade da época esperava dela, tornando-a heroína que muitos leitores admiram desde a primeira edição de Mulherzinhas.
Beth, embora apareça menos durante a segunda parte do livro, é talvez a mais simbólica das irmãs. Sendo uma tímida pianista, sua bondade e dedicação à família se destacam não só na visão dos outros personagens, mas também nos leitores. Especialmente em capítulos sobre a relação dela com a Jo.
Já Amy, a irmã mais nova, apresenta uma história baseada no crescimento de sua inteligência emocional e sensibilidade artística à medida que os anos passam. Ao decorrer da história, a personagem parte de ser uma menina mimada para uma jovem consciente de seus limites e responsabilidades.
Dessa forma, é difícil não se identificar com alguma das irmãs March, cujas personalidades distintas refletem diversas situações da vida de forma muito real e sensível. Sendo possível se divertir com as aventuras das pequenas March, se estressar com suas escolhas na vida adulta e se emocionar em muitos momentos durante o crescimento das personagens.
Impressões sobre o livro
No começo, a narrativa parece dolorosamente lenta. De tal modo que torna a leitura arrastada e, em alguns momentos, preguiçosa de se continuar. Porém, após alguns capítulos, é justamente esse ritmo mais pausado que motiva a seguir com a história.
As descrições detalhadas e as cenas do cotidiano familiar têm o poder de fazer o leitor contemporâneo apreciar o clássico de uma maneira diferente. A leitura se torna menos ansiosa pelo fim, funcionando como um verdadeiro “momento de descanso”.
Contudo, ao finalizar o livro, senti que o desenvolvimento de Amy March merecia mais capítulos, principalmente para aprofundar sobre sua relação com a arte durante a vida adulta. Além disso, o final de Jo March também não me agradou totalmente, embora seja de conhecimento que a autora foi obrigada a alterá-lo.
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Afinal, vale a pena a leitura?
Além do contexto histórico, o que também torna “Mulherzinhas” especial é a forma como Louisa May Alcott permite que o leitor crie vínculo afetivo com os personagens a partir da intimidade com que narra as histórias.
Não se trata somente de admiração ou carinho pela obra, mas da sensação de realmente fazer parte da família, assim como o próprio Laurie se sentiu acolhido pela família March.

Crédito: Reprodução
Pessoalmente, é muito especial consumir obras que falam sobre irmandade feminina sendo uma irmã caçula. Durante minha infância, cresci admirando e vendo minhas irmãs como “as melhores pessoas do mundo” – mesmo com as brigas e desentendimentos, assim como acontece no próprio livro com as irmãs March.
Logo, entre todos os méritos da obra, o meu apego fraternal falou mais alto que qualquer outro critério. E, de certa forma, não há nada que torne um livro mais especial do que se reconhecer e se encontrar nele.
Enquanto lia, pensava sempre no quanto gostaria de emprestar minhas próprias memórias e afeto pelas minhas irmãs a outros leitores. Especialmente àqueles que não tiveram a sorte de crescer com irmãs, para que assim pudessem sentir a história da forma como ela foi escrita: de uma irmã para outra.
– Então estou satisfeita. Mas, por favor, quero um beijo e um abraço de todas […] – e Meg abriu os braços para as irmãs, que a cingiram com rostos primaveris, sentindo por um instante que o novo amor não transformara o antigo.
– Louisa May Alcott (Mulherzinhas, capítulo 26)
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Imagem de capa: Editora Zahar/Reprodução