O livro de algum outro lugar” expande o universo criado por Keanu Reeves na HQ BRZRKR, lançada em 2021. Escrita pelo autor em parceria com China Miéville, ao longo de 400 páginas, a obra conta a jornada de um guerreiro imortal cansado da própria imortalidade.

Com uma narrativa intensa e reflexiva, o livro mergulha nas dores e nas contradições de viver para sempre. A parceria entre Reeves e Miéville dá origem a uma história que combina ação brutal, questionamentos filosóficos e um olhar profundo sobre o que significa ser humano mesmo quando a humanidade parece estar distante.

O livro de algum outro lugar

B está exausto de existir. Há séculos neste mundo, ele já entendeu que sua condição não vai mudar. Considerado por uns um semideus e, por outros, um demônio, B sabe que precisa descansar. Ele não busca exatamente a morte, mas uma forma de alcançá-la quando sentir que seu tempo, enfim, terminou.

Ao longo dos séculos, B foi estudado por diversas instituições e até por civilizações inteiras. Sua resistência, sua força e sua incapacidade de morrer despertaram tanto curiosidade científica quanto medo religioso. Agora, ele integra o serviço militar dos Estados Unidos, com quem mantém um acordo: em troca de realizar missões impossíveis, o governo promete ajudá-lo a encontrar uma maneira de acabar com a própria imortalidade.

Essa dualidade, entre a obediência e o desejo de liberdade, move toda a narrativa. B se torna uma arma nas mãos de outros, mas carrega dentro de si uma revolta silenciosa. Ele sabe que, por trás das promessas de pesquisa e cura, há interesses que ultrapassam qualquer limite ético. Sua luta, então, deixa de ser apenas contra a eternidade e passa a ser também contra a manipulação e o controle.

A construção da narrativa

A ficção científica aqui se propõe a ir além do gênero. Apesar dos elementos distópicos e de um cenário distante da nossa realidade, a história reflete dilemas profundamente humanos como o medo de perder o controle, o peso da solidão e a dificuldade de aceitar os próprios limites.

Enquanto B tenta descobrir uma forma de escolher não mais viver em um mundo que o explora, ele reflete sobre ganância, poder, mortalidade e o sentido da existência. A imortalidade, que deveria ser um dom, se revela um fardo. Ele observa as gerações passarem, as cidades mudarem, os impérios caírem, mas continua preso à própria história. É um personagem que carrega séculos de memória, e essa bagagem dá à narrativa um tom quase melancólico.

A escrita alterna entre cenas de ação intensa e trechos contemplativos, criando uma leitura que ora acelera, ora convida à pausa. A obra é repleta de reviravoltas e de tramas que se entrelaçam com precisão quase cirúrgica. Na primeira metade, o foco está na apresentação dos personagens, do cenário e, principalmente, do mistério que envolve B. Por mais de duzentas páginas, o leitor permanece às cegas, sem compreender exatamente o que está acontecendo e é justamente esse mistério que torna a experiência única.

À medida que as peças começam a se encaixar, o livro revela uma complexidade narrativa que reflete o próprio protagonista: fragmentado, poderoso e cansado de tudo. É uma história sobre o fim que nunca chega e sobre o que significa continuar existindo quando tudo já foi vivido.

Impressões sobre o livro

Eu sou apaixonada por Keanu Reeves. Matrix e John Wick são filmes que assisti incontáveis vezes, então confesso que fiquei bem empolgada para ler a obra. Mas, para ser sincera, me decepcionei um pouco no início. A narrativa aqui não é tão linear quanto estou acostumada, e em alguns momentos me senti perdida. Confundi linhas do tempo, misturei personagens e precisei fazer uma pausa para me reorganizar dentro da leitura.

É necessário tempo, calma e paciência. Não é uma leitura fácil, muito menos rápida, e exige bastante atenção aos detalhes. Os temas são densos, há pouquíssimos diálogos e a maior parte do texto se concentra em divagações, lembranças ou reflexões sobre acontecimentos do passado, do presente ou especulações sobre o futuro. O leitor recebe uma pista aqui, outra ali e vai montando um panorama que demora a se revelar, mas, quando se revela, vale a pena.

Apesar do começo arrastado, eu gostei bastante da obra. Amantes de ficção científica com certeza vão favoritar, mas é uma leitura que pede cuidado e entrega total. É o tipo de livro que exige tanto quanto oferece.

Imagem de capa: Amazon