Chegamos ao quarto episódio de Doctor Who, intitulado de “73 Jardas (73 Yards)”. E com certeza acaba de conseguir a façanha de ser o melhor episódio da temporada. Com uma temática de companion lite e focando na personagem Ruby Sunday, misturando elementos de suspense, terror, drama, fantasia, magia e ficção científica nas medidas certas. Esse é o nascimento de um novo clássico whovian.
Doctor Who não é uma série conhecida por explorar experimentos simultâneos na forma e no conteúdo de seus episódios. Portanto, quando surge um episódio que combina essas duas características, o público não deixa de comentar amplamente sobre ele. A última vez que isso aconteceu foi em “Fugitive of the Judoon“, episódio 5 da 12ª temporada, que causou grande agitação entre os fãs.
No episódio atual de Doctor Who, 73 Jardas (73 Yards), equivalente a aproximadamente 66,7 metros, temos o surgimento de um novo enredo lendário na série. Este episódio segue a linha de exigência dramática e estrutura narrativa de Midnight, episódio 10 da 4ª temporada, outro impactante episódio de Russell T. Davies. Misturando terror, fantasia, magia e ficção científica, ingredientes importantes nesta temporada inaugural da 2ª Nova Série, o autor cria algo que ficará marcado como um dos grandes episódios de Doctor Who.
Pergunte a ela
A trama de Doctor Who nos prende do início ao fim, misturando elementos de “Além da Imaginação” com “Black Mirror“. Ao contrário do que dizem, o mistério central não é impossível de entender. Tudo o que precisamos está na tela.
Vamos à sequência dos eventos: o Doutor pisa em um Círculo de Fada e destrói uma parte dele. Ruby lê algumas inscrições deixadas no local. Quando essas duas ações se combinam, algo sobrenatural é liberado, alterando o equilíbrio do Universo. Isso suprime a força que poderia combater o invasor, ou seja, o Doutor desaparece, e libera uma entidade destruidora, Mad Jack. Devido à verdadeira identidade de Ruby, um dos mistérios da temporada, ela se torna a nova força de combate, uma figura medonha capaz de impedir que o Doutor pisasse no círculo de fadas.
Desde que o 14º Doutor jogou sal no fim do Universo em “A Imensidão Azul“, temas de medo, superstição e a ideia de liberar coisas inexplicáveis vinham sendo desenvolvidos. Quando o Doutor destrói o Círculo de Fadas, quatro coisas inexplicáveis acontecem simultaneamente:
- Uma nova linha do tempo é criada;
- Uma força de combate é suprimida, o Doutor;
- Uma força de combate é criada, Ruby;
- Uma força destruidora é liberada, Mad Jack.
Não precisamos de mais explicações para apreciar o episódio. Tudo está claramente apresentado. O resto é um vício de interpretação artística que domina plateias e críticos há muito tempo, como Susan Sontag discutiu em “Contra a Interpretação” (1964).
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Descanse em paz, Mad Jack
É muito bom ver um episódio de Doctor Who que funciona esplendidamente sem a extensa participação do Doutor, lembrando a qualidade de Blink, episódio 10 da 3ª temporada. As atuações, o texto e a direção são de alta qualidade. Millie Gibson finalmente entrega uma performance impressionante, mostrando profundidade além da figura “bobinha” que apresentava até agora, sugerindo que isso pode ser um disfarce para sua verdadeira persona.
As escolhas estéticas, como o uso bem aplicado de planos holandeses, a trilha sonora macabra e excelente de Murray Gold, e uma fotografia trabalhada com diversos filtros em vez de apenas paletas frias, são destaques. O texto explora o paradoxo da superstição e do medo, características centrais da temporada, sendo um ótimo ponto de partida para desenvolver uma companion. A qualidade e proposta deste episódio são incríveis nesta fase da temporada.
A variação de figurino de Ruby e o belíssimo figurino do Doutor também são destaques. As mudanças nas roupas e nas referências natalinas refletem os estágios emocionais e a aceitação de Ruby do fardo de ser uma figura macabra. O poder dessa figura impede a completude do poder de Mad Jack, uma jogada excelente de Ruby, e o texto explica bem por que ela demorou a tomar essa atitude.
Em “73 Jardas (73 Yards)”, Russell T. Davies cria um mito sombrio, envolvente e intrigante. Infelizmente, muitas pessoas podem passar a vida procurando detalhes desnecessários no enredo, em vez de aproveitar o que há de melhor: o medonho mistério com uma quantidade bem medida de respostas ou meias-respostas. Uma obra-prima do show, algo que não esperava ver tão cedo na era Doctor Who da Disney.