Entre a culpa, a devoção e o delírio, “Monstro: A História de Ed Gein” mostra que o mal é, acima de tudo, humano.

A Netflix retorna ao universo dos assassinos reais com a terceira temporada da antologia “Monstro”, após o sucesso de Dahmer: Um Canibal Americano e Menendez: Assassinos Nascidos. Desta vez, a produção mergulha nas entranhas de um dos casos mais perturbadores da história dos Estados Unidos: Ed Gein, o “açougueiro de Plainfield” ou o “pai de diversos monstros”.

Criada por Ryan Murphy e Ian Brennan, também responsáveis pelas temporadas anteriores, a série é dirigida por diversos diretores, com roteiro de Ian Brennan, mantendo o mesmo tom e estilo que marcou as produções anteriores. O elenco traz Charlie Hunnam no papel de Ed Gein, Laurie Metcalf como sua mãe Augusta e Suzanna Son como Adeline Watkins. Integram o Suzanna Son, Tom Hollander, Vicky Krieps, Olivia Williams, Lesley Manville, Joey Pollari dentre outros.

“Monstro: A História de Ed Gein” promete mais uma viagem pelo abismo da mente humana, explorando a tênue linha entre a loucura e o fanatismo. A série revisita os acontecimentos que chocaram o mundo na década de 1950, quando um fazendeiro aparentemente comum foi descoberto com objetos feitos de restos humanos, máscaras de pele e móveis confeccionados a partir de cadáveres. A proposta é mergulhar nas origens desse horror, na influência opressiva da mãe religiosa e na alienação de uma mente que confundia amor, pecado e punição.

A história real: horror na fazenda de Plainfield

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Crédito: Reprodução

Nascido em 1906, em La Crosse, Wisconsin (EUA), Edward Theodore Gein cresceu sob o domínio da mãe, Augusta Gein. Sua mãe era uma mulher fanática religiosa que o convencia de que o sexo era pecado e as mulheres eram agentes da corrupção. O pai, George Gein, era alcoólatra e violento. Já seu irmão mais velho, Henry, morreu em 1944 durante um incêndio em circunstâncias suspeitas, embora nunca tenha sido provado que Ed tenha causado a morte.

Após a morte da mãe em 1945, Ed mergulhou em um isolamento profundo e desenvolveu uma obsessão doentia por corpos humanos, especialmente de mulheres que lembravam Augusta. Ele passou a desenterrar cadáveres em cemitérios próximos para criar artefatos e roupas feitos de pele e ossos humanos. Seu objetivo era tentar “trazer a mãe de volta”.

Em 1957, a polícia invadiu a fazenda de Gein, em Plainfield, e descobriu um cenário macabro. Haviam crânios usados como tigelas, móveis revestidos de pele humana, máscaras feitas de rostos e até um “traje feminino” completo confeccionado com pele e seios de mulheres. Gein confessou o assassinato de Bernice Worden e Mary Hogan, além de admitir o roubo de dezenas de corpos.

Considerado inimputável por insanidade, Ed Gein foi internado em um hospital psiquiátrico, onde permaneceu até sua morte em 1984.

A série: entre o fato e a ficção

Monstro  Ed Gein
Crédito: Divulgação/ Netflix

Na versão da Netflix, a história real se transforma em um drama psicológico e familiar, priorizando a relação entre Ed e sua mãe. A produção opta por um tom mais introspectivo do que sensacionalista, retratando Gein como um homem frágil, emocionalmente castrado e confuso, em vez de um monstro sanguinário. Essa escolha, embora interessante, cria um conflito ético: o público é levado a compreender e até sentir empatia por alguém responsável por crimes hediondos. A série acerta ao mostrar o fanatismo religioso e o isolamento como gatilhos da loucura, mas tropeça ao suavizar as atrocidades e romantizar a dor alheia. Sendo sincero, tinham momentos em que eu queria abraçar o Ed Gein e falar que tudo ficaria bem.

Entretanto, existem diferenças evidentes em relação aos fatos históricos. A série omite alguns detalhes dos crimes e cria momentos de pura ficção para intensificar o drama, como diálogos imaginários entre Ed e o “fantasma” de sua mãe, o que dá à narrativa um tom quase onírico. Embora funcione no nível simbólico, o efeito geral é o de uma psicologia de manual, ou seja, uma abordagem simplista que aplica fórmulas prontas para tentar explicar comportamentos complexos. Ou seja, tenta racionalizar aquilo que, na verdade, é inexplicável.

O peso do real e o espetáculo do horror

O grande problema de Monstro: A História de Ed Gein é o mesmo que acompanha toda a franquia: o desequilíbrio entre denúncia e fascínio. A série tenta condenar a violência, mas, ao mesmo tempo espetaculariza o assassino, transformando-o em ícone pop, com enquadramentos elegantes e trilhas sonoras quase poéticas. Assim, o que poderia ser uma reflexão sobre misoginia e repressão vira mais um produto de consumo rápido. Temos um “true crime estilizado” que estende a estética Ryan Murphy até o esgotamento.

Curiosamente, o caso de Ed Gein inspirou três dos filmes mais importantes do terror moderno: Psicose (1960), com Norman Bates como reflexo da relação doentia com a mãe; O Massacre da Serra Elétrica (1974), com o canibal Leatherface e seus móveis de pele; e O Silêncio dos Inocentes (1991), com Buffalo Bill e sua obsessão em “vestir” outras peles. Todos esses filmes entenderam o horror de Gein como metáfora da perda de identidade e da loucura americana. Enquanto a série, ironicamente, parece apenas admirar o grotesco sem interpretá-lo de verdade. Temos somente mais uma ficção igual aos três filmes.

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Crédito: Divulgação/ Netflix

Entre o Sagrado e o Podre: Direção, Roteiro e a Beleza do Horror

A direção é competente em criar tensão e atmosfera, com cenas longas e sufocantes que fazem o espectador sentir o peso da solidão de Gein. No entanto, falta ritmo. Há episódios que se arrastam, insistindo em planos contemplativos que pouco acrescentam à narrativa. O roteiro de Ian Brennan busca humanizar Ed, mas cai no clichê de tentar justificar o mal pela dor. O texto alterna momentos de brilhantismo, especialmente nas cenas entre mãe e filho, com outros de pura repetição, tornando a experiência emocionalmente desigual.

Charlie Hunnam entrega um desempenho poderoso, fugindo da caricatura e apostando na vulnerabilidade. Seu Ed Gein é ao mesmo tempo, assustador e encantador, o que, para mim, é um grande problema. Laurie Metcalf está soberba como Augusta Gein, a verdadeira vilã da história. Sua presença domina cada cena, encarnando a face mais cruel do fanatismo e da repressão. Já Suzanna Son como Adeline Watkins está estrememente louca e irritável.

A fotografia foca nos tons acinzentados, ambientes sujos e uma luz que mistura o sagrado e o profano. Cada quadro parece uma pintura em decomposição. No entanto, a beleza visual, às vezes, entra em conflito com o tema, como se o horror fosse bonito demais para ser levado a sério.

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Crédito: Divulgação/ Netflix

Conclusão

Para quem não conhece a fundo a história real, Monstro: A História de Ed Gein pode parecer uma produção envolvente, bem atuada e artisticamente refinada. Mas, para quem entende o peso do caso, o resultado é incômodo, não pelo terror, mas pela romantização de um assassino e a estetização da barbárie. No fim, os verdadeiros monstros aqui não são apenas Ed Gein e sua mãe Augusta, mas também a própria indústria que transforma assassinos em ídolos e o horror em espetáculo.

Monstro: A História de Ed Gein está disponível na Netflix.